OPINIÃO

A estagnação democrática

Com Bolsonaro ou com Lula, a democracia brasileira está estagnada. Precisa se reinventar, mas com os fatos recentes de tirania do Judiciário, com os desmandos do STF e a perseguição política a atores sociais de direita, fica difícil a maioria do eleitorado acreditar no caminho democrático, vide o oito de janeiro de 2023.

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JOSÉ MARIA NÓBREGA

Publicado em 28/01/2024 às 0:00 | Atualizado em 28/01/2024 às 21:23
Pilares da democracia - Thiago Lucas

Iniciamos o texto sobre como a democracia está estagnada, com a definição de democracia segundo os cientistas políticos Scott Mainwaring e Aníbal Pérez-Liñán, ambos da Universidade de Notre Dame (EUA), em publicação de 2023: "a democracia é um regime político caracterizado por: 1) eleições livres e justas para o Legislativo e o Executivo; 2) sufrágio praticamente universal no mundo atual; 3) um amplo conjunto de direitos políticos e civis, como a LIBERDADE DE EXPRESSÃO, LIBERDADE DE IMPRENSA e a liberdade de organização, entre outros; 4) mecanismos de prestações de contas e responsabilização que possam controlar o poder Executivo; e 5) controle civil sobre os militares e outros atores armados" (MAINWARING, S.; PÉREZ-LIÑÁN, A. Por que as democracias na América Latina estão estagnadas. Journal of Democracy em Português. Volume 12, Número 1, São Paulo, Junho de 2023, p. 88).

Mainwaring e Pérez-Liñán definem a democracia de forma consistente em cima de parâmetros consolidados na Teoria Política Contemporânea, com base em autores fundamentais - como Schumpeter, Dahl, O´Donnell, Sartori, Shapiro e Weber - para a compreensão da democracia no mundo contemporâneo .

Conceitos como os de accountability horizontal, eleições institucionalizadas, liberdade de expressão, controle civil-militar, divisão de poderes, mecanismos de freios e contrapesos, dentre os mais importantes dispositivos institucionais de uma democracia, não podem ser desprezados em uma definição da democracia.

Dito isto, e espero ter deixado clara a minha base teórico-científica, parto para a análise da democracia no Brasil comparando-a com outras democracias latino-americanas.

A princípio, a democracia liberal sempre foi um regime rechaçado historicamente por seus opositores autoritários. Desde o seu nascedouro, nos séculos XVII e XVIII - resultado das revoluções burguesas -, parte das elites políticas ataca a democracia liberal como forma de governo. Nas décadas de vinte e trinta do século passado, os inimigos da democracia eram os comunistas, os nazistas, os fascistas e os czaristas. Hoje em dia, as elites políticas inimigas da democracia liberal são mais difíceis de serem identificadas. Alguns intelectuais orgânicos dentro das instituições trabalham contra a democracia liberal - que é a democracia real - em prol de uma democracia popular que o povo é dividido entre "castas étnico-raciais e de gênero" sendo alguns considerados mais povo do que outros.

Com isto, a democracia vai perdendo a sua credibilidade, pois a maioria dos países do continente latino-americano não consolidaram a democracia em suas plagas. Ou seja, não preencheram os procedimentos mínimos da definição de democracia que abre este artigo. São, na verdade, regimes semidemocráticos, isto é, regimes políticos híbridos que possuem eleições relativamente institucionalizadas, mas que o Estado de Direito Democrático não é usável. A maioria é excluída desse Estado de Direito não-democrático, com perseguição das instituições a atores sociais opositores da ideia hegemônica anti-liberal e descontrole sobre forças armadas e de segurança pública, com a violência como marca diária.

Isso termina refletindo na credibilidade das instituições democráticas. No descrédito dos partidos políticos na região e, em específico, aqui no Brasil.

Analisando os indicadores do Informe do Latinobarómetro (2023), intitulado "La Recesion Democrática de America Latina", temos alguns dados resultado de um survey que demonstram bem esse descrédito.

Foi questionado aos entrevistados se os partidos políticos funcionavam bem. Na América Latina como um todo, apenas 21% concordaram que os partidos políticos funcionavam a contento, com 77% em desacordo com a questão. No Brasil, o dado foi de 20% que concordaram e 70% em desacordo com o bom funcionamento dos partidos políticos. No Peru, pior país avaliado neste critério, apenas 9% foram de acordo e 90% em desacordo. No Uruguai, democracia melhor avaliada em algumas plataformas de mensuração e classificação de regimes políticos, os partidos políticos obtiveram melhor avaliação, com 38% dos entrevistados de acordo com o bom desempenho dos partidos políticos e 58% em desacordo. Mesmo aí, quase 60% da população não tem os partidos políticos como instituições de credibilidade.

Em outra questão, 48% dos latino-americanos concordaram que a democracia poderia funcionar sem os partidos políticos. De outro lado, há um crescimento de cidadãos que não se importam que um governo não democrático chegue ao poder desde que o governo resolva os seus problemas. Este crescimento foi da ordem de 44% em 2002, para 54% em 2023, mais da metade dos entrevistados.

O histórico de satisfação com a democracia declinou de 38% em 1995, para 28% em 2023, no contexto latino-americano. No Brasil, o apoio à democracia caiu de 49% em 2010, para 31% em 2023.

O Brasil é um país classificado como regime intermediário nas principais plataformas de mensuração e classificação de regimes políticos (NÓBREGA, José Maria Pereira da. "Classificação de Regimes Políticos na América Latina: um estudo comparado das principais plataformas de mensuração". Revista Estudos Políticos. V.13, n. 26, 2022. p. 2-21.), sendo assim, uma semidemocracia (ZAVERUCHA, J. FHC, Forças Armadas e Polícia: Entre o autoritarismo e a democracia 1999>2002. Rio de Janeiro: Record, 2005). A satisfação com os partidos políticos e com a própria democracia como geradora de resultados caiu drasticamente como podemos avaliar com os dados do Latinobarómetro.

Com Bolsonaro ou com Lula, a democracia brasileira está estagnada. Precisa se reinventar, mas com os fatos recentes de tirania do Judiciário, com os desmandos do STF e a perseguição política a atores sociais de direita, fica difícil a maioria do eleitorado acreditar no caminho democrático, vide o oito de janeiro de 2023.

José Maria Nóbrega , professor Associado de Ciência Política da Universidade Federal de Campina Grande

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