OPINIÃO

Mudanças na Lei de Execução Penal

Simplesmente proibir o reenlace social do condenado com a família, além da grave violação à dignidade humana, pode-se afirmar que essas vedações em nada reduzirão os índices de criminalidade, porque as causas do aumento do crime são outras.

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Adeildo Nunes

Publicado em 08/02/2024 às 0:00 | Atualizado em 08/02/2024 às 6:54
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A Comissão de Segurança Pública do Senado Federal, recentemente, por unanimidade de votos, aprovou o projeto de lei nº 2253/22, com a finalidade de introduzir uma profunda reforma na Lei Federal nº 7.210, a denominada Lei de Execução Penal (LEP). O que se sabe é que desde a sua aprovação, em 1984, o Congresso Nacional vem modificando constantemente vários dos dispositivos da LEP, ao argumento de realizar reformas legislativas no sentido de aperfeiçoar o texto de 1984, às vezes efetivamente aprimorando, outras vezes porém, contrariando regras que claramente destoam da política criminal e penitenciária que é seguida nos países civilizados e desenvolvidos, sem contar que muitas das leis já aprovadas e embutidas na LEP são inconstitucionais, por estrita violação a direitos e garantias individuais que estão elencados na Constituição Federal de 1988. Como o projeto nº 2253/22 já havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados, o texto referendado pela Comissão de Segurança Pública do Senado vai à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa e, se aprovado, caberá ao plenário do Senado decidir pela sua aprovação ou rejeição. Acatado o projeto, será a vez do presidente da República sancionar ou vetar o seu conteúdo, total ou parcialmente. Havendo a sanção, as novas disposições entrarão em vigor tão logo venham a ser publicadas.

O texto redacional que agora segue para a CCJ, mantém a exclusividade de o juiz da Execução Penal fixar o uso do equipamento eletrônico adequado, decidindo pela forma da sua utilização e os meios da monitoração. Hoje, no Brasil, haverá sempre a necessidade do uso do equipamento eletrônico, em todas as saídas temporárias de presos em regime semiaberto (28 por ano) e quando fixada prisão domiciliar, seja ela de natureza preventiva ou condenatória. O monitoramento eletrônico de presos foi instituído no Brasil em 2010, com o advento da Lei Federal nº 12.258. A Resolução nº 412, de 24.08.2021, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), fazendo as vezes de legislador, acresceu a obrigatoriedade do uso do equipamento nas medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, nas saídas antecipadas e, finalmente, quando aplicadas medidas protetivas de urgência nos casos de violência doméstica e familiar. Se aprovada a reforma, a utilização do monitoramento eletrônico passará a ser obrigatória, também, dentro ou fora dos estabelecimentos penais, sempre que condenado for beneficiado com a progressão de regime ou esteja cumprindo a pena no regime semiaberto, aberto ou em livramento condicional. Será compulsório o seu uso, por fim, nos casos em que a pena aplicada seja restritiva de direitos e estabeleça limitação de frequência a lugares específicos.

Se acatado o projeto nº 2253/22 pelo pleno do Senado Federal, além do bom comportamento carcerário, o exame criminoso volta a ser requisito objetivo para a concessão da progressão de regime prisional. De 1984 - quando entrou em vigor e Lei de Execução Penal e até o advento da Lei nº 10.792, de 01.12.2003 - o exame era obrigatório como pressuposto para a aquisição da progressão de regime. Depois de 2003 ele tornou-se facultativo, por decisão judicial, mas, depois disso, passou a ser muito pouco utilizado como requisito para a análise, pelo juiz, do benefício da progressão. O exame criminológico tem por objetivo a obtenção dos elementos necessários a uma adequada qualificação do preso, com vistas à individualização da execução. Este exame, que deve ser elaborado por psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais, serve para atestar a periculosidade do agente, suas condições de saúde mental, relação familiar e outras características pessoais do apenado, que jamais deveria ter sido abolido a sua obrigatoriedade, principalmente para fins de progressão de regime.

Finalmente, o projeto nº 2253/22 põe fim às saídas temporárias dos condenados em regime semiaberto, autorização legislativa que faz parte do nosso ordenamento jurídico desde 1984. Pela atual Lei de Execução Penal, todos os condenados que cumprem pena em regime semiaberto poderão obter autorização judicial para saída temporária do estabelecimento prisional, sem vigilância direta, para visitar familiares, frequência escolar e participação em atividades que concorram para o seu retorno ao convívio social. A Lei nº 13.964, de 2019, entretanto, proibiu a sua concessão para aqueles que tenham cometido crimes hediondos com resultado morte. Duas emendas apresentadas pelo senador Sérgio Moro ao projeto nº 2253/22, entretanto, foram aprovadas, excepcionando essa proibição, quando elas forem destinadas ao estudo ou ao trabalho externo do condenado.

Se transformado em lei o texto aprovado pela Câmara dos Deputados e pela Comissão de Segurança Pública do Senado Federal, trata-se de mais uma evidente afronta à Constituição Federal, uma vez vulnerado o princípio da integração social do condenado, rejuvenescendo, mais uma vez, outro um tipo de punição de natureza cruel que é imposto ao recluso, sem contar que a sua proibição também evita a reaproximação familiar. Tratando-se, ademais, de saídas exclusivas para quem está no regime semiaberto, prestes a cumprir a pena, era de esperar que o legislador estimulasse essas saídas e não as proibisse, como pretende fazer. Se há fugas e o cometimento de crimes durante as saídas temporárias, seria mais que oportuno que os presos saíssem com monitoramento eletrônico, fiscalizados, e não sem qualquer controle estatal como ocorre no momento. Depois, seria de bom alvitre que houvesse uma limitação legal em relação aos dias e aos períodos dessas saídas, ao lado de rígidos pareceres técnicos comprovando a necessidade e o desempenho carcerário do condenado. Simplesmente proibir o reenlace social do condenado com a família, além da grave violação à dignidade humana, pode-se afirmar que essas vedações em nada reduzirão os índices de criminalidade, porque as causas do aumento do crime são outras. Tenham certeza disso.

Adeildo Nunes, juiz de Direito Aposentado, Professor, Mestre e Doutor em Direito de Execução Penal, Sócio do Escritório Nunes, Siqueira & Rêgo Barros - Advogados Associados

 

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