OPINIÃO

A horta de Luzia

Acontece que esta noite sonhei com duas cantoras incríveis: Yma Sumac e Caterina Valente

Cadastrado por

ARTHUR CARVALHO

Publicado em 14/02/2024 às 6:00
Sonho
Sonho - Thiago Lucas/ Design SJCC

Tive dúvida se o título dessa crônica seria cambulhada ou corte de cetim, mas terminei optando por A horta de Luzia, como tentativa de continuação da anterior, “O que Luzia encontrou na horta.” No volume “Cartas Chilenas”, de 1761, de Tomás Antônio Gonzaga, um de meus poetas de cabeceira, encontramos as seguintes linhas do Fanfarrão Minésio: “ Os grandes do País com gesto/ humilde/ lhe fazem, mal o encontram, seu cortejo;/ Ele austero os recebe, e só se digna/ afrouxar do toutiço a mola um/nada,/ Ou pôr nas abas dos chapéus os/dedos.” Somente isso...

Acontece que esta noite sonhei com duas cantoras incríveis: Yma Sumac e Caterina Valente, com Caterina cantando “Babalu”, de Margarita Lecuona, numa interpretação fantástica, só comparável à da nossa querida Ângela Maria. E como se não bastasse, nesse mesmo sonho aparecia Lucho Gatica, o maior cantor de bolero do mundo, interpretando Bésame Mucho, composto por Consuelo Velásquez aos 15 anos de idade. E junto ao travesseiro, Billy Eckstine, meu cantor americano do coração, que sabendo que sou baiano, declara que seu compositor e cantor brasileiro preferido é Dorival Caymmi. E cantarola, em perfeito português, “Dora, rainha do frevo e do maracatu, Dora, rainha cafuza do maracatu ...” com sua voz maravilhosa.

O devaneio continuou e nele surge Orlando Silva, cantando “No quilometro dois da estrada da vida eu te encontre” e Lucho Gatica volta, dizendo humildemente “basta que tu decidas regressar...”. Tudo isso acontecia no Teatro Marrocos. Lá pras tantas, chegam Antônio Maria e Fernando Lobo pedindo pra Mário Reis cantar aquela marchinha de Carnaval, “Rasguei a minha fantasia, guardei os guizos no meu coração”, de Lamartine Babo. Mário Reis cantou e Chico Buarque, que estava na plateia, chorou.

A chamada “era de ouro”, da música popular brasileira, com Francisco Alves, o “Rei da Voz”, gravando os melhores sambas de Sinhô, como “Jura”; de Noel e Ismael Silva. E ainda tinha lugar pra Pixinguinha, Jacob do Bandolim, João Pernambuco, Wilson Batista, Elizeth Cardoso, Carmem Costa e outros, inclusive o genial Catúlo da Paixão Cearense, tão admirado por Manuel Bandeira.

De repente acordei e vi que no meu sonho, faltavam Dalva de Oliveira arrasando em um pequenino grão de areia, Gordurinha na Praça 13 de Maio, compondo “Súplica cearense” e João do Vale criando “O canto da ema”, pra ser gravado por Jakson do Pandeiro, ritmista extraordinário. Como olvidar Jorge Veiga, o caricaturista do samba, avisando “que me importa que a mula manque, eu quero é rosetar.” E que se fosse preciso iria a pé pro Irajá.

Não esquecer que Moreira da Silva, o malandro Morengueira se queixava que na subida do morro bateram na “nega dele”. E que iria à forra. Mas a verdade é que ele morreu perto de 100 anos sem agredir ninguém com a glória de ter inventado e introduzido o “breque”, no samba.

Arthur Carvalho – Academia Recifense de Letras – ARL.

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