OPINIÃO

A maldição da Baía de Putin

A Bacia do Congo, local com mais de 200 milhões de hectares, é considerada a segunda maior floresta húmida do mundo e pulmão da África. Mas ela está sendo dizimada pouco a pouco.

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DAYSE DE VASCONCELOS MAYER

Publicado em 10/03/2024 às 0:00 | Atualizado em 10/03/2024 às 8:16
Vladimir Putin, presidente da Rússia - Maksim BLINOV / SPUTNIK / AFP

O título da canção "Diamonds are a girl's best friends" se popularizou na voz de Marilyn Monroe. Na versão brasileira, o filme recebeu o título de "Os Homens Preferem as Loiras". O mesmo fascínio pelos diamantes ocorreu com 007: Os diamantes são eternos" com James Bond. A questão é que os diamantes, aparentemente, já não são tão amigos das garotas. Vamos aos fatos: se os Governos estão intensificando as ações para reduzir o impacto ao meio ambiente: intensificação das ondas de calor, inundações, vendavais, derretimento de geleiras, tsunamis, é justo que se inicie uma discussão sobre o que está sucedendo de extraordinário nas grandes florestas do planeta. A razão é simples: os diamantes estão rivalizando com o corte ilegal de madeiras exóticas existentes em África. E logo recordamos as palavras do presidente Da Silva "vamos proteger as duas maiores florestas tropicais do mundo, a Amazônica e a do Congo" na condição de "protagonistas na agenda climática".

A Bacia do Congo, local com mais de 200 milhões de hectares, é considerada a segunda maior floresta húmida do mundo e pulmão da África. Mas ela está sendo dizimada pouco a pouco. Os jornais Expresso de Lisboa, Mediapart da França e Der Spiegel na Alemanha, seguidos de perto por grupo de cientistas, estão investigando os crimes ecológicos praticados no Congo com o auxílio do Wagner Group. A maior acusação é o corte e exportação de madeiras exóticas oriundas da floresta africana. Tal floresta se estende por seis países da África Central, entre eles Angola e Congo. Somente em Portugal, desembarcaram em 2022 mais de dois milhões e meio de euros de madeira bruta extraída da RCA.

E tudo começou a ser mais alardeado com a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, quando o Wagner Group ou PMC Wagner - milícia ou esquadrão secreto de Vladimir Putin, integrado por russos, ucranianos, sérvios e neonazistas - adquiriu enorme protagonismo, embora já atuassem desde 2014. Afirma-se, inclusive, que o codinome "Wagner" provém de Richard Wagner, compositor alemão conhecido pelo antissemitismo e muito apreciado por Adolf Hitler, daí o apelido do grupo, símbolo da Alemanha Nazista. Foi o grupo Wagner que se encarregou do assassinato de figuras proeminentes do governo ucraniano, a exemplo do Presidente Volodymyr Zelensky que sobreviveu a três tentativas. Os próprios líderes do grupo foram eliminados na explosão de um avião, quando ousaram enfrentar, por razões ainda desconhecidas, o poder de Putin.

Em 2022 o Wagner Group recebeu autorização do presidente russo para alistamento de presidiários para compensar a queda significativa dos paramilitares durante o conflito na Ucrânia. Por isso circulou na internet um vídeo mostrando Yevgeny Prigozhin tentando recrutar prisioneiros nos cárceres russos oferecendo como contrapartida liberdade e pagamento de 100 000 rublos mensais.

Em janeiro de 2023 o exército informal foi registrado como sociedade anônima russa com o nome de PMC Wagner Center com sede em São Petersburgo. No final do mesmo ano foi anunciada a abertura do Wagner Group na África ou África Corps com interesses análogos ao Wagner Group e com atuação mais destacada na floresta tropical da Bacia do Congo.

O fato de atuar em África não significa que essa milícia esteja distanciada de outros países. Ao contrário, a Rússia mantém esse e outros grupos menores agindo em outras regiões do planeta.

Ainda se desconhece o "modus operandi" do Wagner Group na prática de crimes ambientais. Também não se sabe se os estados-membros da EU têm alguma ligação, mesmo indireta, com o grupo. O que se tem certeza é da existência, em África, da atuação direta do Wagner Group em Bangui - capital e maior cidade da República Centro-Africana. A escolha de Bangui aconteceu na sequência de um acordo celebrado em 2018 entre o Presidente da República Centro-Africana - Faustin Archange Touadéra, - formalmente assinado pelo ministro da Defesa russo. Nessa oportunidade, o Wagner Group passou a operar não apenas na extração de madeira mais também na comercialização de ouro e diamante. Provavelmente, num sistema de troca ou de pagamento por compensação.

No início de fevereiro de 2021, a concessão de licença de exploração de uma área de cerca de 186 mil hectares na floresta de Ngotto foi atribuída a uma empresa de nome Bois Rouge (madeira vermelha). Segundo investigação do Expresso, o Bois Rouge está ligado a uma rede de companhias associadas a Yevgeny Prigozhin que tem como fundador o Wagner Group. Após o surgimento dessas companhias, o Bois Rouge esteve presente num importante evento internacional promovido em Xangai, na China, por empresas florestais. Por aí se começa a perceber a aproximação dos tentáculos do polvo. Certamente, os investigadores ainda estão distanciados do rastreio da cadeia de abastecimento da madeira. Até que a descoberta ocorra, muitos acidentes e mortes ocorrerão. É só acompanhar.

Dayse de Vasconcelos Mayer,  doutora em ciências jurídico-políticas

 

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