A agudeza do "instante" é mais sentida com a inclusão da conjunção "se". Testemos esse raciocínio por meio da confissão de uma estudante: "odeio o Direito, abomino o curso, a Faculdade e os 119 alunos que lotam diariamente o auditório. Não percebo a existência do Direito na conduta dos homens e das autoridades".
A universitária revelou uma possível verdade entre muitas: o Direito, hoje, é bem mais um "não direito" em razão das sinuosidades que exibe. Faz recordar o filme "o labirinto do fauno", dirigido por Guillermo del Toro. Igualmente, o repto do nosso tempo: desobedecer é um dever e a rebeldia é sinal de liberdade. Foi nesse instante que a jovem revelou a sua opção pela afoiteza do "pronome": e "se" o direito fosse mesmo direito será que o STF poderia cumprir a sua verdadeira função de controle da constitucionalidade? As reformas previstas no Código Eleitoral poderiam usurpar e esbulhar a nossa liberdade? As emendas de comissão deixariam de ser um fundo eleitoral paralelo? O Governo seria refém dos sindicatos, dos grupos de pressão e de um bunker formado por representantes de um mercado financeiro altamente voraz? O presidente Da Silva tentaria arbitrar a disputa em torno dos dividendos extraordinários da Petrobrás?
A jovem aproveita o gancho da Petrobrás para rever as discussões sobre a refinaria de Pasadena e a criação de estaleiros virtuais. Lembra a falência da "Sete Brasil" e seus 28 navios-sonda. Os credores - Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica, BTG Pactual e Itaú (o maior emprestador) - amargam os prejuízos de ontem e de hoje. Mas ainda podem descontar as supostas perdas cobrando juros altos da classe média. Pois é, "nem tudo é santidade".
Tal ponderação da estudante vem sempre conectada ao "se", agora com sentido arriscado e ameaçador: e "se" eu tivesse votado em Antônio? Esse terreno movediço, minado e perigoso empurra a miúda para fora do Brasil. O avião pousa em El Salvador. Era preciso acompanhar o sucesso do Governo salvadorenho no extermínio das gangues (guerra contra las pandillas). De novo, a estudante conjectura: e "se" o Presidente Nayib Bukele - o mais novo ídolo da ultradireita internacional - não tivesse vencido a criminalidade ascendente, o Brasil estaria a revelar a sua fragilidade no campo da segurança pública? Nas palavras do ministro Lewandowski - que teve a coragem de abandonar a "mina de ouro" dos pareceres - a polícia vem assegurando que os dois fugitivos da prisão de Mossoró serão capturados, mas não sabe dizer quando. Talvez quando forem substituídas as paredes das celas em papel papier-mâché. Lewandowski até ousou confessar o seu arrependimento a uma jornalista. Jogaram em seus braços uma população prisional com aumento de 82% entre 2007 e 2013. A maioria integrada por pretos, pardos, jovens e analfabetos e com "boa" relação com o crime organizado. Esse será apenas um pequeno problema a ser resolvido com outros ministérios: educação, emprego e renda. Enfim, "nem tudo é santidade".
Num rompante, a universitária estoura: Precisamos de um lulismo renovado, com espírito crítico e sem ideologia bolorenta. A velha retórica é incombinável com o romantismo chic dos jovens de hoje e com o pragmatismo dos mais velhos. Com a mudança será possível evitar que a sociedade se encurve para uma direita insana circundada pelas assombrações ou espectros da tragédia e farsa. Nesse caso, o "golpe-tragédia" de 31 de março de 1964 - agora regido pelo pacto do silêncio - estaria esbarrando nas estripulias, vandalismo ou "golpe-farsa" do 8 de janeiro de 2023.
Confirmando a energia dos moços, a estudante não esquece a publicidade das frases imperfeitas articuladas no exterior. Elas se convertem em bumerangues desfigurados. Por isso - e por muitas outras razões - a "população do salto alto" vem concorrendo com a "população do chinelo" para a queda dos índices de popularidade do presidente Da Silva. Afinal, "nem tudo é santidade".
Esse quadro se agrava com a consulta feita aos moços sobre o componente fundamental das democracias. A resposta, unânime e incorreta, foi o "voto". Então a menina vocifera: será que os 87,3% de votos conferidos a Vladimir Putin tiveram raiz democrática? Ela mesma responde: no domingo 17 de março a autocracia sangrenta do Kremlin revelou o verdadeiro sentido da expressão democracia capturada. O assassinato do advogado Alexey Navalny, a eliminação dos candidatos da oposição por morte, exílio e bloqueio são exemplos do que afirmo. Existiu a "manifestação do meio-dia" que funcionou, seguramente, como um simbolismo atrevido.
No frescor, viço e intemperança dos imaturos, a menina remata: Putin mudou radicalmente a sua fala. Passou a defender um mundo multipolar com redução do poderio norte-americano e europeu. Para o Czar dos tempos modernos, é preciso derrubar, indiferente ao custo, as maiores democracias do planeta. Nesse contexto, a paz tão sonhada por nós com o final da Segunda Guerra Mundial será empoada ou estilhaçada "apenas em um instante".
Dayse de Vasconcelos Mayer, doutora em ciências jurídico-políticas.