Opinião

Marcas de Marços

O mês de março é repleto de significados históricos

Cadastrado por

VALDECIR PASCOAL

Publicado em 30/03/2024 às 16:26 | Atualizado em 30/03/2024 às 16:27
Em tempos líquidos, as águas de março têm o poder de mudar o curso da crônica e do calendário e nos mandar de volta para o dia 14, o "Dia da Poesia" - Divulgação Mubi

O mês de março é repleto de significados históricos. Março vem do latim Martius, nome do primeiro mês do calendário romano, que, por sua vez, deriva de Mars, ou Marte, deus da guerra na mitologia romana. Antes, porém, de ser associado à guerra, Marte, que também daria nome ao planeta, simbolizava a fertilidade, a primavera e a prosperidade agrícola.

“Cuidado com os idos de março”, foi o que Júlio César ouviu de um certo adivinho quando, em 15 de março do ano 44 a.C., dirigia-se, em meio à multidão, ao Senado Romano. Nesse mesmo local, minutos depois, ele seria assassinado com a ajuda, quem diria!, até de Brutus, seu aliado. É o que nos conta Shakespeare na peça “Júlio César” (Ato 1, Cena 2).

Uma curiosidade sobre a palavra “Idos”: no antigo calendário romano, o mês era dividido em três pontos de referência: as Calendas, os Nones e os Idos. Os Idos ocorriam na metade do mês, no dia 13 para a maioria dos meses, mas no dia 15 para março, maio, julho e outubro, considerados meses completos ou perfeitos e de lua cheia.

Há outros tantos marcos nos muitos “Marços” da História.

Em 8 de março celebramos o Dia Internacional da Mulher. A despeito dos muitos avanços, desde o início do século passado em que mulheres da Europa e da América do Norte protestavam contra as condições de trabalho e pelo direito de votar, a luta pela igualdade de gênero continua sendo um grande desafio civilizatório. Ainda vai demorar um tempo, mas é preciso ter força, raça, gana e fé na vida, até o dia em que este “8” fique apenas na parede da memória, e não mais precise ser dia de luta.

Uma pausa maior no último 10 de março, dia do Oscar 2024. Foi uma temporada de excelentes filmes. Alguns destaques. “Oppenheimer” alerta para as consequências dos avanços tecnológicos e a responsabilidade de cientistas e governantes, Oportuno para refletirmos sobre o tenebroso passado e o atual desafio de temas como a Inteligência Artificial (IA). Em “Anatomia de uma Queda”, a difícil arte de julgar o outro e a constatação de que a vida é um mosaico de fatos e narrativas que se entrelaçam, muitas vezes paradoxalmente. Sem a visão do todo e das circunstâncias, as chances de sermos injustos são enormes. Vale para a convivência em família, com os amigos, no trabalho. Vale para os profissionais que têm o julgar como missão.

“Zona de Interesse”, revela, de forma sutil, e ao mesmo tempo profunda, o horror do holocausto e a “banalidade do mal”, conceito introduzido por Hannah Arendt. Sem qualquer comparação com a atrocidade nazista, é inevitável enxergarmos uma forte metáfora do filme com os dias atuais, em que nos flagramos, em muitos momentos, cegos diante das dores que costumam saltar ao redor de nossas privilegiadas “zonas de interesse próprio”. Lembrei da música, em forma de prece, cantada por Mercedes Sosa e Beth Carvalho: “Eu só peço a Deus que a injustiça, a dor, a guerra, a mentira, o futuro, não me sejam indiferentes”. Por fim, o filme mais perfeito de 2024, para mim: “Dias Perfeitos”. Num mundo de narcisos instagramáveis, ambições desmedidas e falta de empatia, trata de uma emocionante ode à felicidade baseada nas coisas simples, na dignidade do trabalho cotidiano, na beleza dos gestos de atenção e de ternura, até com desconhecidos. Sem muito esforço, lembra uma famosa sabedoria: “Os melhores dias de sua vida não serão os extraordinários”. A trilha sonora é igualmente perfeita, com destaque para a lendária canção “The House Of The Rising Sun” (The Animals) e, claro, “Perfect Day” (Lou Reed).

Março segue acelerado. Dias emblemáticos incluem o do Bibliotecário (12), da Escola (15), de São José (19) e da Água (22). Cada um merece uma reflexão.

No final do mês, alguns marcos que dizem respeito à nossa história institucional. A Constituição é celebrada no dia 25, numa alusão à data da primeira Carta Magna brasileira, outorgada ainda no Império (1824). O 31 de Março tem múltiplos significados. Um deles remonta ao ano de 1964, verdadeiro nó que ainda aperta o tecido da nossa história e não pode ser esquecido pelas novas gerações. Dia marcado por uma sombra dolorosa que perdurou por 21 anos. Em 1983, contudo, temos um 31 de Março que foi sinônimo de sol, coragem e povo na rua na cidade de Abreu e Lima (PE), chão de onde brotou o movimento “Diretas Já”, o estopim da nossa redemocratização. Lembrando Dom Paulo Evaristo Arns: “Ditadura, Nunca Mais!”.

Em tempos líquidos, as águas de março têm o poder de mudar o curso da crônica e do calendário e nos mandar de volta para o dia 14, o “Dia da Poesia”. A inspiração vem do maestro Jobim: É pau, são tocos, pedras, cacos de vidro, espinhos, tombos, desgostos, mistérios profundos, mas não é o fim do caminho. A marcha estradeira, queira ou não, descortina um passo, uma ponte, um pedaço de pão, uma prata brilhando, um belo horizonte, o fim da canseira e promessas de vida. Verão fechando.

Que venham os ventos e as águas de um novo outono, anunciando, como é de sua índole, profana e pascal, boas colheitas, equilíbrio, fraternidade, diálogo, renascimento e novas esperanças.
PS: O pretérito, o presente e o futuro “mais-que-perfeito”: o Dia 13 de Março de 1998, que marca o nascimento dos meus melhores sonhos de amor!

Valdecir Pascoal, Conselheiro do TCE-PE

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