OPINIÃO

União e reconstrução: e a segurança jurídica?

Diante da insegurança jurídica instaurada, os contribuintes que eram contemplados pelo PERSE vêm recorrendo ao Poder Judiciário para obterem decisões garantindo a continuidade de utilização do benefício até 2027.

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LUCIANO BUSHATSKY E DANIELA MARQUES

Publicado em 18/04/2024 às 0:00 | Atualizado em 18/04/2024 às 10:08
Notícia

Imagine você reviver essa cena de novo: empresário do ramo de parques de diversão, proprietário de uma pousada, de uma agência de viagem ou dono de uma empresa de transportes turísticos, recebe a informação de que haverá um lockdown. Por quanto tempo? Ninguém sabe. Como funcionará? Ninguém imagina. Do dia para a noite, seu negócio fecha as portas.

Com o tempo, as atividades vão sendo gradualmente retomadas, exceto aquelas desempenhadas por sua empresa, que continua obrigada a permanecer fechada em razão das medidas sanitárias adotadas no país e no mundo pelos órgãos de controle sanitários.

No entanto, surge uma luz no fim do túnel. Toda aquela dor de cabeça, toda aquela falta de previsibilidade, quebra de planejamento, pode ser aliviada com uma espécie de desoneração tributária temporária: o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos - PERSE, instituído pelo Governo Federal por meio da Lei n° 14.148 de 2021.

O programa prevê uma efetiva desoneração tributária com prazo definido, para algumas atividades econômicas específicas, relacionadas ao setor de eventos, hotelaria e prestação de serviços turísticos. Sim. As atividades que estão elencadas, taxativamente, na lei que o criou. E o programa irá até 2027. Então, vamos programar a retomada do negócio com esse apoio. A regra está posta, está na Lei.

Diante disso, programação para cima. Planejamento. Foco. Reserva de lucro, planejamento de investimento, tudo considerando a projeção de desoneração tributária parcial até 2027. Afinal de contas, a redução a zero, pelo prazo de 60 (sessenta) meses, das alíquotas do PIS, COFINS, IRPJ e CSLL está na Lei.

No entanto, esqueceram de uma coisa. Estamos no Brasil. Sim. O país da insegurança. O país em que o princípio constitucional da segurança jurídica é apenas um capítulo em um manual de Direito, ou matéria de algum estudo de mestrado ou doutorado, mas que, na prática, não é muito levado a sério.

Com a mudança de governo, vem a mudança da política tributária, e com a mudança da política tributária vem uma revisão geral de tudo o que foi feito no último governo, incluindo aí o PERSE. Assim, o novo governo publicou uma Medida Provisória, instrumento este que tem como um dos requisitos a urgência, e mandou para o espaço o PERSE, determinando a revogação antecipada do programa já a partir de 1º de abril de 2024, em relação à CSLL, PIS e COFINS, e a partir de 1º de janeiro de 2025 para o IRPJ.

A gritaria foi grande. Com razão. Aí, o governo, em uma atitude caridosa, decidiu mudar um pouco. Tirar "apenas" algumas atividades do PERSE, mantendo outras, com base em supostas alegações de que o setor X já havia se recuperado, enquanto o Y ainda não havia conseguido a recuperação. Com base em que? Estudos internos? Talvez. Até alegar que o PCC estava lavando dinheiro por meio do programa foi alegado, mesmo sem apresentar provas sobre.

Tratando o assunto de forma séria, se é que é possível, o que temos é uma abrupta mudança nas regras de uma espécie de incentivo fiscal que foi criado com foco na recuperação de um setor que sofreu, e muito, na pandemia.

Vejamos o setor hoteleiro, ou o setor de parques de diversão. Por quanto tempo foram obrigados às regras de isolamento, depois às regras de distanciamento? Quantas empresas faliram, quantas empresas sofreram? Quantos empregos foram perdidos?

Hoje, os dados apontam para o fato de que essas empresas "não estão obrigadas ao pagamento dos tributos federais". O problema é que esquecemos do dia de ontem. Esquecemos dos danos que foram causados. Esquecemos que o país permanece em um momento de recuperação econômica.

A pandemia não foi uma total hecatombe econômica. Claro que não. No entanto, alguns setores apanharam muito mais que outros. E, diga-se mais, foi criada uma Lei, com prazo determinado de vigência. Vários planejamentos foram feitos. No entanto, não foi levada em conta uma peculiaridade. Estamos no Brasil. A falha no planejamento foi não ter aberto o olho para o que falta nesse País. E o que falta nesse País, além de tantas outras coisas? A segurança jurídica.

Mudou a temporada, mas o enredo é o mesmo. É o Brasil.

Luciano Bushatsky,  advogado especialista em Direito Tributário pelo IBET, especialista em Direito Penal e Processual Penal pelo IDP, mestre em Direito Tributário pela Escola de Direito de SP da FGV. Atua exclusivamente na área de Direito Aduaneiro desde 2007

Daniela Marques, graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, pós-graduada em Direito Tributário pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e em Direito Tributário Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário - IBDT. 

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