Relembrando Machado de Assis (Parte 2 - final)
O assunto aqui tratado por este escriba é apenas para levar aos literatos, aos estudiosos, aos machadianos, à reflexão ao tema em tela.
O meu mais recente artigo sobre o título em epígrafe suscitou vários registros de leitores sobre o tema, graças, sobretudo, ao escritor Machado de Assis, eternizado por sua vasta obra literária, após exaltado pela influenciadora americana, Courtney Henning, em especial por seu livro Memórias Póstumas de Brás Cubas.
O dia da publicação do mencionado artigo nesta página do nosso Jornal do Commercio, domingo passado, começou com o regozijo generoso do imortal, estadual e federal, das Academias de Letras, José Paulo Cavalcanti Filho, também da Academia lusitana, que enriqueceu a minha "Fortuna Crítica", antes talvez tão pobre e tão desvalida.
De Adenauer Góes, membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo (Abevt), amigo e confrade querido, uma referência da cultura e do turismo do Estado do Pará, recebi o brilhante depoimento, que reproduzo:
"Ao textualizar a importância de Machado de Assis para a literatura brasileira, você, Roberto, contextualizou o que a influenciadora americana reconheceu: a importância da cultura literária não tem fronteiras e nem épocas, pois é capaz de se renovar e superar tudo, inclusive o tempo, e todos, no embalo permanente das gerações e inovações tecnológicas. Machado de Assis escreveu e desta maneira deixou um legado imensurável sob todas as formas, desde romances, poesias, contos, peças teatrais etc, sendo também um reconhecido jornalista, fazendo das letras e palavras sua grande paixão, era um apaixonado como você, amigo Roberto, para honra e deleite de nossa academia."
Na sequência, o professor José Ricardo Diniz, mestre da literatura, traz o seu depoimento e a sua defesa de Machado de Assis, como celebridade incapaz de se colocar indiferente à causa da libertação dos escravos.
"Importante, Roberto, você engrossar o coro do fã clube do velho Bruxo de Cosme Velho. Assim chamado no belo poema de Drummond a ele e sua obra dedicado. É superficial a visão de que Machado tenha virado as costas à questão da escravidão dos negros no Brasil.
Ele viu isso de uma maneira muito mais profunda. Por exemplo, nas Memórias Póstumas de Brás Cubas, através de um personagem - o negro Prudêncio, que serve como brinquedo de cavalinho do Brás Cubas, menino rico e mimado. Quando libertado pelos 'bons serviços,' vai assumir a mesma postura dos seus senhores: ele é visto pelo próprio Brás Cubas chicoteando um escravizado, reproduzindo na sua nova condição de homem livre, dominante, o que sofrera dos seus ex-donos.
Veja só como a crítica é mais profunda: o dominado, quando chega à mesma posição de dominante, passa a agir como um deles.
Enfim: a crítica não é episódica, pois revela a própria condição humana, marcada pela incoerência e contradição.
Coisa de gênio, meu amigo!"
O tema, como se vê, gera polêmicas e controvérsias. A crueza das críticas ao autor de Dom Casmurro tenta macular a afrodescendência de Machado que, segundo os seus críticos mais ferinos, não assumiu a cor da sua pele, imputando-lhe o pecado da omissão na luta pela libertação dos escravos, intuindo a ideia de que, enquanto Joaquim Nabuco descia aos escravos, ele subia a Nabuco, à aristocracia, à branquitude, às belas carruagens, um mundo estranho à sua criação de menino pobre.
O assunto aqui tratado por este escriba é apenas para levar aos literatos, aos estudiosos, aos machadianos, à reflexão ao tema em tela.
Também o cotejo com o escritor Lima Barreto, que é o romancista do seu mundo próprio, assumido na sua negritude, admirável romancista do seu submundo, crítico de Machado acusado de mulato, que, na sua obra, escondia-se dele mesmo.
Dizia-se: Machado perdeu a sua identidade social; Lima Barreto fez questão de mantê-la. Os romances de Machado são admiráveis como criação, mas não são ele; os de Lima Barreto são ele. O renegado.
Fico com a opinião abalizada do mestre José Ricardo, reconhecendo que não devo avançar nas minhas meditações, até para não deixar que o sapateiro vá além do sapato.
O que trouxe a lume diminui Machado? Não. Ele é um gênio!
Roberto Pereira, ex-secretário de Educação e Cultura de Pernambuco e membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo.