Forró para todos
Se o São João não respeitar os oito baixos, na melhor das hipóteses, vai cantar um "tem pena d'eu"
O que se pode fazer se Nova York não dança quadrilha. Se em Amsterdã não existe um pé de serra e em Londres ninguém sabe fazer pamonha. Um japonês encaixando o balanço de cintura do forró é impossível e só em sonho tem pagode na boate Kossacou. A balada de Dylan pode ganhar Nobel de literatura, mas perde feio em emoção, filosofia e poesia para o tengo lengo tengo.
O rock é animado não vou negar, mas não tem fungado no cangote. O lamento do fado não chega aos pés do canto de saudade do sertão. Buenos Aires não tem nada disso, mas taí, é uma cidade que atrai por sua relação com a música e dá exemplo. Nunca fui a um show de tango que não apresentasse só tango e quanto mais tradicional, melhor.
Se é para descaracterizar o São João e misturar com outros ritmos é melhor fazer isso às claras e cada um vai à procura do que gosta.
Que insistência teimosa, só pode ser complexo de inferioridade (para não rotular de burrice ou coisa pior), achar que é negócio trazer artistas da moda, do samba, da MPB, do brega (bons em outras praças), para encher o pátio do forró. No curto prazo pode até encher, mas tem rédea curta, no caminho da perdição.
Tradição, o nome já diz, significa preservação.
Tem relação com o sentimento de um povo e por isso não é importado, nem exportado. Para entender um país ou uma região, é preciso entrar no seu ritmo, se aprofundar em suas raízes. Não tem parelha ir ao forró de pé de serra. É só emoção.
Em tempos de globalização, um momento para reforçar laços de identidade com a nossa terra. O forró renova sentimentos, pertencimento, oferece momentos do que se pode chamar de felicidade. O forró é para todos, simples, vibrante, emocionante e autêntico como deve ser a vida.
No intervalo, afinal o tocador quer beber, pode entrar em cena um repente genial, um busca-pé na direção da lua, uma girândola de saudade e depois continuar até pegar o sol com mão.
Se o São João não respeitar os oito baixos e se deixar levar por "influenciadores" (e que qualidade de gente), na melhor das hipóteses vai poder cantar um "tem pena d'eu". Sem autenticidade, vira peça de museu, despersonaliza um povo e deixa o mundo cochilando, quando não se pode cochilar.
Sérgio Gondim, médico