O 11 de Agosto motiva uma celebração dupla. Nesta data, em 1827, foi aprovada a lei que criou os primeiros cursos jurídicos no Brasil, nas cidades de Olinda (transferida para o Recife em 1854) e São Paulo. Por correlação, este marco foi adotado também como o Dia do Advogado, denominação que precisa ser revista e alterada para a forma mais inclusiva e certeira: "Dia da Advogada e do Advogado". A revisão se faz tão mais pertinente quando atentamos para a desigualdade que segue existindo no tratamento dispensado a um e outro, especialmente no que diz respeito ao acesso das mulheres aos espaços de poder, a todos eles. A barreira invisível, mas impenetrável, para cargos no topo da pirâmide profissional - o chamado teto de vidro - vem sendo cultivada desde os primórdios. E se agora encontramos alguma diferença em sua instalação, ela se dá menos por sua permeabilidade e mais pelos artifícios elaborados para que "pareça" que estamos competindo em termos de paridade com os colegas do gênero masculino. Os números, no entanto, desconstroem a falácia. Até porque precisaremos andar muito mais rapidamente se quisermos sanar várias injustiças históricas.
Em artigo publicado na Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife, sob o título Pioneirismo Feminino na Faculdade de Direito do Recife: As Primeiras Bacharelas em Direito no Brasil, os autores Humberto João Carneiro Filho, Manoela Antunes Chagas de Souza e Elizabeth da Silva Guimarães observam que as pernambucanas Delmira Secundina da Costa, Maria Coelho da Silva Sobrinha, Maria Fragoso Orlando da Silva e Maria Augusta Coelho Meira de Vasconcelos concluíram o curso em 1888/89, ou seja, 61 anos após a inauguração da Faculdade de Direito do Recife (originalmente denominada Curso Jurídico de Olinda). E esclarecem: "Conquanto as quatro discentes pioneiras no ensino jurídico brasileiro serem destacadas por seus méritos acadêmicos, não se efetivaram no exercício da profissão, dentre outras razões, pela resistência da sociedade da época em admitir mulheres em ambientes de atuação profissional". Outro salto de longa distância precisou ser dado até que surgisse, efetivamente, a primeira mulher profissionalmente legitimada pelos seus pares (homens) no Brasil. Apesar de ter se formado em 1899 pela Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro (11 anos após as pioneiras pernambucanas), Myrthes Gomes de Campos só foi admitida no Instituto dos Advogados do Brasil em 1906, pairando no limbo dos que até poderiam se graduar, mas não exercer a profissão. Apenas mais uma telha de vidro na cobertura diligentemente arquitetada.
A título de reparação histórica, o Conselho Pleno da OAB Nacional reconheceu, em 2022, Esperança Garcia como a primeira advogada brasileira, encampando o mérito que já lhe havia sido atribuído, em 2017, pela seccional do Piauí. Mulher negra escravizada, Esperança escreveu uma petição ao governador da Capitania do Piauí, no ano de 1770, com o propósito de denunciar práticas violentas cometidas contra mulheres e crianças, ao mesmo tempo em que, na missiva, demandava providências por parte do administrador. A correspondência é considerada um marco advocatício em defesa dos injustiçados e, como tal, merecedor da justa aclamação de sua autora. Em mais de 90 anos de existência, a OAB, no entanto, ainda está devendo um nome de mulher em sua presidência.
Sob o mesmo prisma da equidade, as seccionais também estão atrasadas em contemplar seu cargo mais proeminente com uma maior diversidade de representação. Houve um avanço no triênio 2022-2024, quando cinco dos 25 estados e o Distrito Federal envolvidos nas eleições escolheram, pela primeira vez, mulheres como presidentas: Daniela Borges (Bahia); Gisela Cardoso (Mato Grosso); Marilena Indira Winter (Paraná); Cláudia da Silva Prudêncio (Santa Catarina) e Maria Patrícia Vanzolini Figueiredo (São Paulo). A seccional pernambucana terá chance de se unir a essa lista progressista e oportuna com a possibilidade de elevar o nome da advogada Ingrid Zanella à presidência para o triênio 2025-2027. Ingrid é profissional atuante, competente, e sua candidatura, além de importante para dirimir essa desigualdade de gênero, será de estimada valia para a entidade que representa advogadas e advogados.
Ficou para trás a época em que as mulheres eram mais do que minoria nas salas de aula das faculdades de Direito, como discentes ou docentes. Eram, na verdade, uma concessão, uma curiosidade, e tratadas como tal. O mercado reflete essa nova realidade. Segundo o 1º Estudo Demográfico da Advocacia Brasileira (Perfil ADV), divulgado no site da OAB Nacional no dia 26 de abril de 2024, a profissão é majoritariamente feminina: 50% de mulheres, 49% de homens e 1% pertencente a outras identidades de gênero - pessoas não binárias (0,2%), transgêneros (0,1%), travestis (0,1%) e outras (0,1%). Dados que ainda não encontram eco nas altas instâncias do poder judiciário: no STM, de um total de 15 integrantes, há apenas uma mulher; no STF, 11 integrantes, 1 mulher; no STJ, 33 integrantes, 5 mulheres; no TSE, 14 integrantes, 4 mulheres; TST, 27 integrantes, 7 mulheres. Não há espaço para retrocesso, só avanços. Cada etapa da luta será honrada pelas mudanças necessárias para acomodar gerações de um novo tempo.
Gisele Martorelli, advogada