Cadete! Ides comandar, aprendei a obedecer
Nosso tempo é difícil para a autoridade. Os costumes a atacam fortemente, as leis tendem a enfraquecê-la. (O FIO DA ESPADA, General Charles de Gaulle)

Após ser indagado por amigos civis sobre os conceitos de disciplina e obediência, compartilho algumas reflexões sobre o tema. Ressalto que minhas opiniões são estritamente pessoais.
Disciplina e obediência constituem pilares fundamentais na vida militar, sendo inculcadas desde cedo na formação de todo soldado.
A disciplina pode ser definida como o núcleo da ética militar, refletindo os valores e convicções coletivas da corporação. A obediência relaciona-se mais diretamente à moral que o indivíduo carrega, envolvendo questões de consciência e responsabilidade pessoal.
A dificuldade de compreensão desses conceitos por parte da sociedade civil é evidente. Mesmo alguns militares, embora reconheçam a importância da disciplina e obediência, enfrentam desafios ao tentar explicá-las em termos mais amplos.
Em sua obra, O Soldado e o Estado, Samuel Huntington nos convidou a refletir sobre a obediência militar: ela deve ser tomada como uma virtude absoluta, sem margem para questionamentos? Ou, em certos momentos, haveria espaço para alguma flexibilidade?
Cerca de cinquenta anos depois, o professor Lawrence Freedman, especialista em estudos militares do King's College, advertiu que o simples respeito à cadeia de comando, por mais sustentado que esteja pela disciplina, pode ser insuficiente para garantir que as ordens sejam compreendidas e executadas de maneira eficaz.
Aqueles que emitem ordens, especialmente em cenários de risco de vida, devem construir, ao longo de suas carreiras, uma autoridade ética e moral que inspire tanto o respeito quanto a obediência por parte de seus pares e subordinados.
Para que o comandante assuma integralmente essas responsabilidades funcionais, duas posturas lhe são exigidas: a capacidade de decidir por outros e assegurar a execução de tais decisões, e estar preparado para arcar com as consequências de suas escolhas.
Generais contemporâneos como Stanley McCrystal (EUA), David Richards (Reino Unido) e Eitam Shamir (Israel) reforçaram que a eficácia do comando não reside apenas na execução de ordens, mas no esforço colaborativo, na compreensão mútua da missão, na aceitação de discordâncias leais e na comunicação aberta entre superiores e subordinados.
O general americano David Petraeus, por sua vez, destacou que o líder no campo de batalha deveria não só buscar a vitória, mas também lutar pela manutenção de uma legitimidade moral.
Petraeus equilibrou tradição e adaptação. No que concerne à tradição, enfatizou valores como coragem, exemplo e dedicação, incentivando suas tropas a se manterem firmes nesses princípios. Quanto à adaptação, incorporou tecnologias e reviu as doutrinas rígidas das forças americanas. Ele defendeu, por exemplo, relações amistosas entre soldados e populações locais, obtendo avanços territoriais e políticos sem o uso indiscriminado de violência.
Petraeus acreditava que a autonomia decisória de seus subordinados quanto ao uso da força não era apenas esperada, mas necessária, desde que permanecessem alinhados com a finalidade da missão.
Os conflitos militares evoluem influenciados por novas perspectivas sobre liderança e comando. Nesse contexto, os conceitos de disciplina e obediência precisam ser continuamente reforçados, visto que os soldados, cada dia mais independentes, serão submetidos a incontáveis desafios éticos e morais no campo de batalha.
Como ressaltou o general Benoît Royal em sua obra A Ética do Soldado Francês em Combate, a resposta ética esperada dos militares diante de conflitos cada vez mais complexos e em um ambiente de crescente relativismo moral é a inabalável preservação dos códigos de honra que regem as suas instituições.
Os chefes militares em todos os níveis devem ficar atentos aos desafios emergentes nesse cenário de mundo informacional, no qual, inevitavelmente, ocorrerão mudanças no relacionamento entre superior e subordinado, afetando o comandar e o liderar.
A despeito de tudo, frente ao relativismo moral mencionado, a disciplina e a obediência deverão continuar como bússolas da profissão militar a apontar para o norte verdadeiro das servidões e grandezas castrenses.
Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva