Antissemitismo: não é coincidência, é método!

Muitos que têm acusado Israel por suas ações em resposta à terrível agressão sofrida, são os mesmos que se calam diante de diversas atrocidades

Publicado em 03/11/2024 às 5:00

Em artigo publicado no JC de 29/10/24 intitulado “Uma Coincidência Metódica”, é trazida à tona uma carta escrita em 02 de dezembro de 1948, assinada por 21 intelectuais norte-americanos, incluindo Albert Einstein, endereçada ao New York Times. Na missiva é transmitida a apreensão com a ação do partido israelense Herut, chefiado por Menachem Begin, no contexto daquela época.

Sem uma preocupação de contextualizar o quadro pregresso, a evolução da história dos últimos 76 anos, e a realidade atual, o texto é utilizado para fazer uma generalização descabida, com tintas muito fortes de puro antissemitismo.

O Herut, e seu líder, Begin, representavam um partido mais radical, porém absolutamente minoritário no contexto da política israelense da época, protagonizada por partidos de esquerda.
Com o passar dos anos, Israel, um país minúsculo, com território equivalente ao do estado de Sergipe, enfrentou vários conflitos para garantir sua sobrevivência. Apesar de toda adversidade, construiu uma sociedade dinâmica, moderna, inclusiva e jamais se afastou do caminho democrático, numa região marcada pelo autoritarismo e despotismo.

No decorrer dessa jornada foram sendo quebrados os paradigmas e vários países árabes passaram a ter relações com o Estado de Israel e a viver em paz com ele. Egito, Jordânia, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos, Sudão.Estávamos às portas de um grande acordo com a Arábia Saudita.

O Irã, uma teocracia governada há décadas por um regime fundamentalista, que tiraniza sua própria população e que colocou como uma de suas prioridades a destruição do Estado de Israel, investiu fortemente em proxies, vários deles grupos terroristas como o Hamas na Faixa de Gaza, o Hezbollah no Líbano, os Houthis no Yemen.

Em 07 de outubro do ano passado, em pleno feriado religioso, Israel sofreu um dos maiores atentados terroristas da história. Milhares de militantes do Hamas adentraram seu território, mataram mil e duzentos israelenses, não apenas judeus. Entre esses, mulheres, idosos, crianças e até bebês. Mutilaram, estupraram, decapitaram, queimaram, sequestraram. Usaram de toda a barbárie possível. E eles próprios documentaram toda essa ação. Pais mortos na frente dos filhos. Filhos mortos na frente dos pais. Tudo isso acompanhado do ataque de milhares de foguetes a partir da Faixa de Gaza sobre território israelense.

No dia seguinte, o grupo Hezbollah a partir do Líbano também iniciou uma chuva de foguetes sobre o norte de Israel e elaborava a repetição de uma incursão terrestre assassina similar a perpetrada pelo Hamas no sul de Israel. Até hoje, ainda se encontram em cativeiro os sequestrados naquele dia. Alguns foram resgatados mortos ou em condições desumanas.

O que qualquer país faria diante desses ataques? Por que a régua que mede as ações de Israel, são tão desproporcionais a que se usa para medir a ação de outros países?

Há por parte de alguns autores a tentativa de equiparar as ações israelenses na guerra contra grupos terroristas ao que os judeus sofreram no genocídio nazista.É uma narrativa vil, totalmente desvinculada dos reais fatos. É um profundo desrespeito a um povo que teve seis milhões de indivíduos assassinados, um milhão e meio de crianças, de forma industrial, por um regime supremacista, racista.

Como comparar Israel, um país democrático, que luta contra o regime de um país teocrático, o Irã, usando grupos terroristas, que têm em comum, o fanatismo religioso, a misoginia, a homofobia, como práticas baseadas em suas visões de mundo?

Os que se prestam a essa vileza se colocam no rol dos que ao longo da história praticam uma forma ancestral de racismo, o antissemitismo. Em vez de se usar uma narrativa maniqueísta da história, demonizando um determinado povo, bem fariam em trazer à tona a complexidade da realidade. Ajudar a construir pontes que valorizem as iniciativas em prol da paz de todos os lados envolvidos nos conflitos.

Esse tipo de discurso em nada contribui para buscar a solução tão esperada que contemple os justos direitos de israelenses e palestinos. Ao contrário acirram o ódio, desconstroem a paz.

O artigo olvida em citar que os civis são utilizados em Gaza e no Líbano como escudos humanos, por aqueles que deveriam, ao contrário, deles cuidar e proteger. Olvida de falar dos israelenses sequestrados, mantidos em condições desumanas nos túneis do terror construídos pelo Hamas, subalimentados, asfixiados, violentados. Esses túneis, esses sim, poderiam ser denominados de câmaras de Gaza.

Causa espécie que o conteúdo do artigo parece identificar-se mais com tiranias fundamentalistas do que com as aspeadas democracias ocidentais. Em sua análise isenta de responsabilidade o Irã, o Hamas, o Hezbollah. Vilão há apenas um, o Estado de Israel, ou melhor, os judeus, como foi preferido nominar.

No final, é importante trazer alguns fatos. Begin, décadas depois foi eleito primeiro-ministro de Israel. Abriu negociações com o Egito e protagonizou o primeiro acordo árabe-israelense da história. Foi agraciado juntamente com o presidente egípcio Anwar Sadat com o prêmio Nobel da Paz.

Albert Einstein foi um entusiasta sionista, apoiador do Estado de Israel. Ajudou na fundação da Universidade Hebraica de Jerusalém, cuja pedra fundamental data de 1918, trinta anos antes da fundação do estado, e serviu no primeiro conselho acadêmico da instituição. Deu a palestra científica inaugural da universidade e editou sua primeira coleção de artigos científicos. Doou seu patrimônio literário e documentos pessoais à universidade em seu último testamento.

Também teve forte vínculo com o Instituto de Tecnologia, Technion, de Haifa. Lá podemos encontrar em seu antigo prédio uma palmeira plantada pelo cientista.

Toda reflexão, toda contribuição acadêmica, sempre serão muito bem-vindas. Mas é urgente e necessário que se dispam das meias verdades, do preconceito embutido.

O artigo fala em método. Procurando vender uma lógica de um método judaico de promover genocídios por uma suposta maldade intrínseca.

Muitos que têm acusado Israel por suas ações em resposta à terrível agressão sofrida, são os mesmos que se calam diante de diversas atrocidades verificadas no Oriente Médio e no mundo, de forma geral.
O método que podemos aqui identificar, é o antissemitismo, tantas vezes adormecido e que retornou com força total, após os massacres do 07 de outubro. Este sim, é planejado, coordenado, massificado. E que tanto mal já causou ao longo da história. O que muitos não percebem é que aquilo que começa contra os judeus, não se encerra apenas contra os judeus. Contamina e agride toda a sociedade.

De nossa parte, continuamos acreditando na promoção das forças comprometidas com a paz de ambos os lados. Na recriação de um Oriente Médio, que privilegie o diálogo, o reconhecimento dos legítimos direitos de todos os povos.

Que discursos maniqueístas que promovem o ódio sejam substituídos por vozes que proclamem a paz!

Jáder Tachlitsky é economista, professor de Cultura Judaica e História Judaica; coordenador de comunicação da Federação Israelita de Pernambuco

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