OPINIÃO | Notícia

BRICS e as mudanças climáticas

Não haverá avanços reais na redução das emissões de gases de efeito estufa do mundo se os países do BRICS não reestruturarem suas economias.

Por Sérgio Buarque Publicado em 06/11/2024 às 0:00 | Atualizado em 07/11/2024 às 10:27

No seu discurso pronunciado na reunião do BRICS realizada em Kazan (por videoconferência), o presidente Lula da Silva afirmou que o "BRICS é ator incontornável no enfrentamento da mudança do clima. Não há dúvida de que a maior responsabilidade recai sobre os países ricos, cujo histórico de emissões culminou na crise climática que nos aflige hoje". A primeira frase pode ser interpretada como reconhecendo que os países do BRICS são grandes emissores de gases de efeito estufa, o que não parece consistente com outras falas do presidente e com o teor da segunda frase, quando joga a culpa para os outros, os países ricos, aparentemente, excluindo o BRICS. Como não parece claro de que responsabilidade o presidente está falando, nem quais são, na sua opinião, os países ricos, é importante analisar os dados da realidade.

Os países do BRICS, China, Rússia e Índia são países pobres? A referência de Lula ao "histórico de emissões" de gases de efeito estufa dos países ricos, situando o BRICS fora deste grupo, tem implícito a ideia de poupá-los do esforço internacional de redução das emissões. A China tem o segundo maior PIB-Produto Interno Bruto do planeta, embora o PIB per capita seja baixo por conta da enorme população do país, cresce a taxas aceleradas e tem avançado mais que os Estados Unidos e a Europa em algumas áreas tecnológicas e industriais. Rússia e Índia não ficam muito atrás. Aliás, alguns dos dirigentes do BRICS e o próprio Lula costumam comemorar o peso que a organização tem na economia internacional. Com um PIB de US$ 25,9 trilhões (em 2022), a economia dos cinco países que compõe o BRICS representa 25,5% do PIB mundial, chegando a 31,5%, quando medido pela Paridade do Poder de Compra. Com uma economia que representa mais que o conjunto dos países do G7, de pobre o BRICS não tem nada, embora exista muita pobreza interna aos seus membros (especialmente na Índia e no Brasil), e o bloco esteja empenhado em atrair a adesão de países do Oriente Médio e da África, de menor desenvolvimento.

Como a controvérsia internacional sobre mudanças climáticas tende a poupar os países considerados pobres de metas mais ousadas de redução das mudanças climáticas, o discurso de Lula serve para definir um tratamento diferenciado para o bloco do BRICS, considerado por ele, países pobres. Ele ignora os dados e até mesmo o discurso oposto, quando interessa, no qual reivindica o grande peso econômico do aglomerado de países. Além disso, quando Lula cobra que os países desenvolvidos abram os cofres para financiar as políticas dos países pobres de redução das emissões e proteção dos eventos climáticos extremos não parece considerar que a China, a Rússia e a Índia devem participar da cota.

Provavelmente por conveniência política, o presidente Lula ignora os dados reais de responsabilidade das nações no total das emissões de gases de efeito estufa no planeta. Ao contrário do que parece entender, os quatro países fundadores do BRICS (Brasil, Rússia, Índia e China) estão entre os maiores emissores do mundo. A China, sozinha, ganha de lavada, como o país que mais emite gases de efeito estufa do mundo, sendo responsável por 12,79 gigatoneladas de carbono (dado de 2021), quase 26% do total das emissões do planeta. As emissões dos Estados Unidos, maior potência econômica do mundo, atingiram, no mesmo ano, 5,56 gigatoneladas, menos da metade do que foi jogado na atmosfera pela China (https://www.climatewatchdata.org/countries). A Índia é o terceiro maior poluidor e a Rússia o quarto. Os cinco países do BRICS, emitiram, em 2021, pouco mais de 20,24 gigatoneladas, contribuindo com quase 43% de todas as emissões mundiais. Para ter uma ideia das proporções das responsabilidades, toda a União Europeia, com 27 países e uma economia altamente desenvolvida, participa com apenas 7,8% do total da geração de gases de efeito estufa do mundo, quase um sexto do que foi emitido pelo bloco do BRICS. E no histórico recente, o BRICS vem crescendo rapidamente as emissões dos gases de efeito estufa. De 1990 a 2020, as emissões da China cresceram quase seis vezes e da Índia triplicaram, enquanto os Estados Unidos - o vilão de Lula - conseguiram estacionar o volume total de gases jogados na atmosfera. Alemanha, Reino Unido e França conseguiram reduzir substancialmente as suas emissões.

Quando se calcula as emissões por habitante, os países com mais de um bilhão de pessoas (China e Índia), perdem o destaque no total de gases jogados na atmosfera. Nas emissões per capita os Estados Unidos lideram de longe, com 15,96 toneladas equivalentes de CO² por habitante, quase o dobro da China, com 8,71. Mas, para a natureza o que importa é o volume da gases que recebe e não o que cada cidadão dos países contribui para o sobrecarga de gases de efeito estufa.

O que fica claro do exposto acima é que O BRICS é um poderoso agrupamento de países que concentra mais de um quarto do PIB mundial e é responsável por quase 43% de todas as emissões de gases de efeito estufa do mundo. Neste sentido, a primeira frase do pronunciamento de Lula citada acima está correta (BRICS é ator incontornável no enfrentamento da mudança do clima) porque não haverá, no futuro, avanços reais na redução das emissões de gases de efeito estufa do mundo se os países do BRICS, especialmente a China, não promoverem uma profunda reestruturação da economia e a introdução de novas tecnologias sustentáveis. É importante, em todo caso, reconhecer que a China está empenhada nesta transformação, mas ainda cabe a ela a principal contribuição para salvar o planeta do aquecimento global.

Sérgio Buarque, economista

 

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