A Questão do 6/1: Custos e Produtividade do Trabalho no Brasil

Inicialmente cabe ressaltar que uma substantiva fração de trabalhadores públicos dos três níveis de governos e dos três poderes já tem jornadas de 36h

Publicado em 10/12/2024 às 5:00
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Em meio a mudanças significativas na tecnologia e no mundo do trabalho, surge uma proposta de origem parlamentar de emenda à Constituição Federal para reduzir a jornada laboral do modo 6x1 (seis dias de trabalho por um dia de descanso) para o modo 4x3 (quatro dias de trabalho por três dias de descanso) sem redução de salários. Tal proposta não veio embasada em nenhum estudo, mas entusiasmou alguns grupos à esquerda no sindicalismo brasileiro e trabalhadores de diversos estratos ocupacionais, especialmente no setor privado. Quem não deseja trabalhar menos horas por semana com o mesmo salário? Todavia, a proposta tem recebido críticas de associações empresariais e até de líderes sindicais que enxergam, mais à frente, as consequências de tal iniciativa. Os impactos precisam ser avaliados.

Inicialmente cabe ressaltar que uma substantiva fração de trabalhadores públicos dos três níveis de governos e dos três poderes, sobretudo os que estão inseridos nas carreiras de estado, já tem jornadas de 36 horas de trabalho (ou menor) por semana, de segunda a sexta-feira (5 por 2). O servidor público tem regime jurídico próprio diferentemente daquele do setor privado que é regido pela CLT. Isso os diferencia do setor privado onde as jornadas são majoritariamente de 44 horas (6 por 1).

Todavia, em algumas categorias a distribuição da jornada de 44 horas ao longo da semana é objeto de negociação coletiva, como é o caso da Construção Civil. Os denominados bancos de horas atuam também como um “buffer” para organizar as jornadas de trabalho no setor privado e as convenções coletivas têm um papel importante neste processo.

Reduzir jornada laboral sem redução proporcional do salário eleva o custo da hora trabalhada. Se o rendimento do trabalhador (por mês ou hora) crescer mais rapidamente do que a produtividade do trabalho, o custo unitário vai se elevar. Qualquer proposta de redução da jornada de trabalho tem que levar em conta a trajetória da produtividade do trabalho no país. Entre 2010 e 2023, a produtividade por hora trabalhada no Brasil cresceu ao ritmo de apenas 0,3% ao ano (Associação de Comércio Exterior do Brasil, 2024).

E isso graças ao agronegócio cuja produtividade se expandiu ao ritmo anual de 5,8% enquanto a do setor de serviços, que responde por cerca de 70% do PIB nacional, decresceu 0,3% ao ano. Na indústria o crescimento foi de apenas 0,1% ao ano, praticamente estagnada. Comparada com a produtividade média do trabalhador norte-americano, um brasileiro leva uma hora para produzir uma unidade de um bem ou serviço enquanto o trabalhador dos Estados Unidos necessita de apenas 15 minutos, ou seja, a produtividade do trabalhador brasileiro é apenas um quarto da do norte-americano.

O aumento da produtividade depende do capital (máquinas e equipamentos), da qualidade do trabalhador que aporta conhecimento, habilidade e competência ao processo produtivo e da forma, dada a tecnologia, como trabalho e capital se combinam para a produção de bens e serviços. Portanto, vários são os fatores que determinam o crescimento da produtividade. O custo do capital e políticas educacionais, de qualificação da mão de obra e de incentivo à inovação tecnológica são importantes para sua evolução.

Com as mudanças demográficas, o crescimento da renda per capita irá depender cada vez mais da elevação da produtividade e se ela crescer menos do que os salários vai custar mais caro admitir um trabalhador no setor privado da economia. O Brasil chegou praticamente ao final da transição demográfica caracterizada pela queda acentuada da taxa de fecundidade, pelo crescente percentual de pessoas idosas e pela menor gravitação de crianças e jovens no conjunto da população. Isso significa que o crescimento da força de trabalho vai diminuir acentuadamente e, talvez mesmo estabilizar em números absolutos, nas duas próximas décadas.

Nesse contexto reduzir a jornada de trabalho sem reduzir os rendimentos pode elevar os custos de gerar um novo emprego e, assim, levar ao aumento da desocupação E, por fim, inserir, uma medida dessa importância na Constituição Federal constitui-se em grande erro ao engessar as relações de trabalho em um ambiente onde flexibilidade motivada por mudanças tecnológicas e socioeconômicas é um requisito relevante. Jornadas de trabalho podem ser negociadas livremente entre capital e trabalho por meio de negociações coletivas respeitadas, onde couber, a Constituição e a CLT.

Jorge Jatobá, Doutor em Economia, Professor Titular da UFPE, Ex-Secretário da Fazenda de Pernambuco, Presidente do Conselho de Honra do LIDE-PE e sócio da CEPLAN-Consultoria Econômica e Planejamento.

 

 

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