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Os desafios éticos, de privacidade e segurança no uso de IA e IoT

No Recife, o Porto Digital fomenta ecossistema de empresas que promovem debates e práticas que respeitam princípios éticos e privacidade dos dados_

Por FLÁVIA BRITO Publicado em 17/12/2024 às 0:00 | Atualizado em 18/12/2024 às 10:07

As tecnologias que coletam e processam grandes volumes de dados, como a Inteligência Artificial (IA) e a Internet das Coisas (IoT), estão transformando o mundo em um ritmo sem precedentes. Presentes em nossas casas, locais de trabalho, sistemas de transporte e dispositivos médicos, essas inovações oferecem inúmeras vantagens, mas também levantam questões éticas, de privacidade e segurança que precisam ser enfrentadas com urgência. Um exemplo de como essas tecnologias têm sido aplicadas de forma estratégica no Brasil é o Porto Digital, aqui no Recife. Reconhecido como um dos maiores parques tecnológicos e ambientes de inovação do país, ele abriga empresas que desenvolvem soluções baseadas em IA e IoT para setores como saúde, segurança e mobilidade urbana, mostrando o potencial transformador dessas ferramentas.

A IA e a IoT têm mostrado como podem melhorar a eficiência e a qualidade de vida. Sistemas de IA, por exemplo, otimizam diagnósticos médicos, enquanto dispositivos IoT permitem monitoramento remoto de pacientes em tempo real. Essas tecnologias também automatizam tarefas, preveem demandas de mercado e reduzem o consumo energético por meio de sensores inteligentes. No entanto, o poder dessas inovações está diretamente relacionado ao volume de dados que processam. De acordo com a International Data Corporation (IDC), o mundo deve gerar 175 zettabytes de dados até 2025, grande parte captada por dispositivos IoT e utilizada por algoritmos de IA que impactam diretamente nossas vidas.

Apesar de seu potencial, a coleta de dados em massa cria desafios éticos, de privacidade e segurança. Um estudo do Pew Research Center de 2023 revelou que 62% das pessoas se preocupam com o uso de suas informações pessoais por empresas e governos. Essa preocupação não é infundada. Vazamentos de dados em grandes empresas e violações de privacidade em dispositivos inteligentes mostram como informações pessoais podem ser mal utilizadas. Além disso, o uso de dados sensíveis por algoritmos de IA pode perpetuar desigualdades sociais.

Sistemas de reconhecimento facial, por exemplo, apresentaram taxas de erro significativamente maiores para pessoas de pele mais escura, segundo uma pesquisa do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos EUA (NIST). Esses problemas surgem porque os algoritmos aprendem com dados passados e, se esses dados forem tendenciosos, as decisões geradas também serão.

No caso da privacidade e do consentimento, o desafio é ainda maior. Muitos usuários não sabem quais dados estão compartilhando ou como serão usados. Sensores IoT em casas inteligentes capturam informações sobre hábitos diários, como horários de sono e preferências de consumo, frequentemente sem o consentimento claro do usuário.

Um estudo da Deloitte apontou que apenas 10% dos consumidores leem os termos de privacidade antes de aceitá-los, o que levanta a questão de até onde estamos dispostos a sacrificar nossa privacidade em nome da conveniência. No Porto Digital, iniciativas voltadas para a segurança cibernética e o uso ético da tecnologia buscam mitigar esses riscos e criar um ambiente mais seguro para a inovação. Entre essas ações, destacam-se o Rec 'n' Play, que promove palestras e debates sobre cibersegurança e privacidade, e o esforço do conselho de administração, que inclui especialistas em defesa cibernética, garantindo práticas alinhadas com os mais altos padrões éticos. Além disso, empresas incubadas no parque tecnológico desenvolvem soluções que servem de modelo para uma implementação tecnológica segura e inovadora.

A segurança dos dispositivos IoT também é uma preocupação crescente. Em 2022, ataques a dispositivos conectados ultrapassaram 1 bilhão, segundo a empresa Kaspersky, causando interrupções em sistemas críticos, roubo de dados e invasões de privacidade. A falta de regulamentação específica para IoT e IA no Brasil deixa os usuários vulneráveis, embora iniciativas como o Porto Digital estejam criando soluções inovadoras que poderiam servir de modelo para outras regiões. Setores como saúde e financeiro possuem normas rígidas de proteção de dados, mas outros setores carecem de regras claras, criando uma "terra de ninguém" digital.

Para enfrentar esses desafios, é necessário investir em conscientização, regulamentação e desenvolvimento ético. Empresas e governos devem adotar práticas transparentes para coleta e uso de dados, garantindo consentimento claro e informado dos usuários. Iniciativas como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil são passos importantes, mas precisam ser ampliadas para abranger o ecossistema completo de IoT e IA. No Porto Digital, por exemplo, startups e empresas já estão liderando projetos que aliam inovação tecnológica com responsabilidade social, demonstrando que é possível equilibrar avanço e ética.

O futuro das tecnologias de IA e IoT depende de como lidamos com seus desafios éticos, de privacidade e segurança. O desenvolvimento responsável é possível e necessário, oferecendo um modelo de como a tecnologia pode ser aliada da sociedade e não uma ameaça. Ao priorizarmos a proteção dos indivíduos e o desenvolvimento equilibrado, poderemos colher os benefícios dessas inovações sem comprometer nossos direitos fundamentais.

Flávia Brito, especialista em cibersegurança, conselheira do Porto Digital e CEO da Bidweb

 

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