Adeildo Nunes: o que é a anistia? (final)
Cabe recordar que nem todos os crimes podem ser alcançados pela anistia, por força da Constituição de 1988. Os crimes hediondos são um deles

Concluindo os comentários anteriores que tecemos a respeito da anistia, já vimos que ela pode ser concedida a pessoas que tenham cometido infrações penais, seja de natureza comum ou especial (eleitoral e militar), desde que aprovada através de lei ordinária votada pelo Congresso Nacional, cujo projeto tenha a iniciativa do presidente da República ou do próprio Congresso Nacional.
Contudo, cabe recordar que nem todos os crimes podem ser alcançados pela anistia, por força da Constituição Federal de 1988.
Os crimes hediondos, o tráfico ilícito de entorpecentes, o terrorismo e a tortura são insusceptíveis de anistia, nos termos do art. 5º, XLIII, da Carta Constitucional de 1988. Os crimes hediondos são aqueles definidos no art. 1º, da Lei Federal nº 8.072, de 11.09.1990.
O tráfico ilícito de drogas está regulamentado pela Lei Federal nº 11.343/2006, a tortura pela Lei Federal nº 9.455, de 07.04.1997 e, por fim, o crime de terrorismo viu-se regulamentado pela Lei Federal nº 13.260, de 16.03.2016.
O tratamento da anistia no Código de Processo Penal
Em sua redação original, o Código de Processo Penal de 1941 trata do instituto da anistia, exclusivamente em seu art. 742, possuindo a seguinte redação:
“Concedida a anistia após transitar em julgado a sentença condenatória, o juiz, de ofício ou a requerimento do interessado, do Ministério Público ou por iniciativas do Conselho Penitenciário, declarará extinta a pena”.
Na visão do Código de 1941, como se observa, a anistia só poderia ser deferida àqueles condenados por sentença penal transitada em julgado (quando não cabe mais recursos).
Depois, o dispositivo também estabelece que somente com a declaração de extinção da pena, pelo juiz, a anistia gerará os efeitos jurídicos desejados.
As regras do art. 742, do Código de Processo Penal, todavia, estão superadas, a uma porque a anistia pode ser concedida, também, aos que ainda se encontram respondendo ao processo penal, e a duas porque a legitimidade ativa para pleitear a declaração na Justiça, hoje, é muito mais ampla, considerando as disposições do art. 195 da Lei de Execução Penal.
O art. 8º, do Ato das Disposições Transitórias, inserido na Constituição Federal de 1988, entendeu de conceder a anistia a todos quantos, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da Constituição, tenham sido atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares.
A mesma norma jurídica, também estabeleceu o perdão, pela anistia, para os que foram atingidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15.12.1961 e pelo Decreto-lei nº 864, 12.09.1969.
A anistia também beneficiou todos os trabalhadores do setor privado, dirigentes e representantes sindicais que, por motivos exclusivamente políticos tenham sido punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das atividades remuneradas que exerciam, bem como os que foram impedidos de exercer atividades profissionais em virtude de pressões ostensivas ou expedientes oficiais sigilosos.
Outrossim, o benefício da anistia, pela Constituição de 1988, também foi autorizada para todos aqueles que foram impedidos de exercer, na vida civil, qualquer atividade profissional, em decorrência de determinações em portarias reservadas, editadas pelo Ministério da Aeronáutica.
Anistia para servidores públicos e empregados do setor público
Todos os servidores públicos e os empregados de todos os níveis de governo ou de suas fundações, empresas públicas ou de economia mista, também foram beneficiados com a anistia conferida nas Disposições Constitucionais Transitórias atreladas ao Texto Maior de 1988.
Como forma de indenizar todos os anistiados políticos, o art. 9º da ADCT autorizou que o Supremo Tribunal Federal, mediante provocação, poderia reconhecer direitos e vantagens eventualmente interrompidos por atos punitivos editados durante a ditadura militar de 1964.
O que é verdade é que, do ponto de vista histórico, é da tradição brasileira a concessão da anistia, beneficiando, somente pessoas que tenham praticado crimes políticos, aqueles que estão definidos no Código Eleitoral Brasileiro e em leis eleitorais esparsas.
Porém, como já salientado, o Supremo Tribunal – desde a aprovação do Código de Processo Penal de 1941 – tem entendido que o perdão pela anistia pode ser oferecido, também, para aqueles que tenham praticado crimes comuns, ilícitos penais que estão previstos em nosso Código Penal de 1940 e nas diversas leis penais existentes.
No momento em que está sendo propagada a aprovação de lei anistiando os responsáveis pelos atos de selvageria praticados em 8.01.2023, quando os prédios do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal foram depredados, vale lembrar que mesmo aprovado o texto pelo Congresso Nacional, o presidente da República tem o poder de veto – total ou parcial – e o Supremo Tribunal Federal, provocado, poderá analisar a sua constitucionalidade.
Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, professor da pós-graduação em Direito do Instituto dos Magistrados do Nordeste, doutor e mestre em Direito de Execução Penal, membro do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP)