Parece a reprise de um evento esportivo casual, mas é a repetição da insegurança em badernas anunciadas e previsíveis conflitos motivados por partidas de futebol. No último sábado, o Recife teve mais um dia de medo – e de irresponsabilidade dos clubes, da Federação Pernambucana de Futebol e das autoridades de segurança pública. Juntos, esses atores não conseguem, há muitos anos, afastar a violência programada e consumada, do lado de fora dos estádios, nas ruas e avenidas, pondo em risco não apenas os criminosos organizados, mas os moradores e cidadãos desavisados que transitarem pelo local, durante as arruaças.
O jogo do Sport contra o ABC de Natal, pela Copa do Nordeste, foi a desculpa para a premeditada violência, com o ingrediente peculiar e conhecido do desleixo, ou do despreparo institucional para combater as chamadas torcidas organizadas que entram em choque, sempre, apesar das alegadas medidas de prevenção. Uma das medidas é absurda, do ponto de vista da realidade que se repete: a escolta da Polícia Militar às gangues uniformizadas. No sábado, os escoltados foram até a sede do Náutico, nos Aflitos, porque uma organizada alvirrubra teria com a torcida do ABC supostos interesses coligados – e não se deve desprezar o mecanismo, uma vez que funciona sem contratempos nas balbúrdias que amedrontam a população.
As gangues partiram para a briga aberta nas proximidades do Terminal Integrado Joana Bezerra, onde carros tiveram os vidros quebrados, e pessoas deitadas no chão eram atingidas por chutes por agressores. Dois feridos, um pernambucano e um do Rio Grande do Norte, foram levados para o Hospital da Restauração. De toda a baderna, a Policia Civil realizou apenas três prisões, de dois indivíduos por posse de drogas, e um por dano à viatura policial. A maioria dos que atiraram pedras e distribuíram socos e chutes, além da desordem, portanto, saiu impune.
Antes da partida, a chegada dos “torcedores” do ABC aos Aflitos já havia causado transtornos ao bairro. A diretoria do clube de Rosa e Silva declarou ter sido apanhada de surpresa, sem aviso da PMPE de que haveria escolta da organizada até as dependências do Náutico. A reclamação foi realizada, e a polícia retirou os baderneiros uniformizados de lá, pouco antes de a partida na Ilha do Retiro começar – ou seja, já estariam para sair, de qualquer maneira. Foi quase uma outra escolta, na saída, como na chegada, portanto. A falta de comunicação entre as autoridades e a diretoria alvirrubra amplia a desconfiança de despreparo para o enfrentamento do problema – que, diga-se mais uma vez, não é novo.
A resposta protocolar da Secretaria de Defesa Social, do governo do Estado em nova gestão, ainda não mostra diferença de respostas anteriores em episódios semelhantes. A identificação e responsabilização dos envolvidos ganhou um inquérito, quando bastaria ter identificado os escoltados, antes de darem o pontapé inicial das brigas. A SDS também solicita a colaboração da população com informações para o esclarecimento do caso, como se os envolvidos tivessem descido de naves espaciais, de surpresa.
Além disso, a autoridade de segurança pública afirmou que busca estratégias para diminuir a violência no contexto do esporte. A primeira estratégia talvez fosse rever a escolta desprovida do mínimo de informações sobre os integrantes das gangues escoltadas, como sempre, para a realização de lutas livres e a promoção do pânico coletivo.