Exemplo de inclusão e respeito à vida
Em uma década de atuação, o programa recifense evita mortes prematuras, acompanhando as famílias durante a gestação e depois
Capital de um dos estados mais desiguais do país, em um dos países mais desiguais do mundo, o Recife representa para muitos de seus habitantes um lugar de exclusão cotidiana e miséria presente, sem espaço para a esperança. Desde os primeiros dias de vida, e ainda antes, na gestação, que deveria ser para o bebê a proteção segura do ambiente materno, recifenses enfrentam duros obstáculos para estarem aqui, com saúde e dignidade. Com o objetivo de ajudar a mudar essa realidade, foi criado, há apenas uma década – e já com grandes resultados – o Programa Mãe Coruja Recife, amparando e dando assistência às mães e famílias que não contam com as condições ideais no início da maternidade.
Cobrindo metade do território da capital pernambucana, em 20 espaços que alcançam a demanda de 47 bairros, o programa atualmente atende a 19 mil famílias, com acompanhamento especializado periódico. A redução da mortalidade materna e infantil na cidade é o propósito original do programa, que confere o mínimo de cidadania a pessoas carentes num dos momentos mais importantes de suas vidas. Do pré-natal ao puerpério, até dois meses após o parto, e mais além, chegando aos 6 anos de idade das crianças, o Mãe Coruja entrega resultados expressivos. De acordo com pesquisa do Insper, na primeira década de vigência, 4 mil óbitos foram evitados no Recife por causa do programa. O melhor é que os impactos reverberam através dos meses e anos de atenção, cuidado e respeito às mães e às crianças, traduzindo concretamente o que se espera de uma política de inclusão.
Para marcar os 10 anos, o prefeito João Campos revelou a intenção de transformar o programa em lei, como precaução à interrupção devido à troca de governos. A intenção é louvável. Mas sua necessidade é preocupante: o tipo de serviço essencial prestado pelo Mãe Coruja não deveria ter que depender de legislação para existir. A disposição do poder público para apoiar os mais vulneráveis já integra, por sinal, legislações superiores, na garantia de direitos fundamentais que não são levados ao pé da letra, da alimentação à moradia, do esgotamento sanitário à educação. O prefeito poderia aproveitar para levar à Câmara de Vereadores uma proposição legal para retirar a população das palafitas. Quem sabe assim essa triste condição da miséria na capital pernambucana começasse a ser superada.
As políticas inclusivas devem, de fato, ser independentes dos governos da ocasião. Mas para se alcançar os bons resultados obtidos pelo Mãe Coruja, que ainda pode chegar a mais gente, afinal metade da cidade está de fora da cobertura, é preciso priorizar a inclusão. E não somente em relação a um programa, mas a toda a administração, no intuito de governar para aqueles e aquelas que menos dispõem de oportunidades, amargando péssima qualidade de vida, em muitos casos, do berço ao túmulo. O Mãe Coruja é uma conquista que deve ser expandida e aprimorada, refletindo a melhor prática da gestão pública.