LAVA JATO

A corrupção não pode ser esquecida

Dez anos depois do início de investigações que passaram o país a limpo, a impunidade ressurge como ameaça

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JC

Publicado em 17/03/2024 às 0:00
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A politização do crime não deve ser uma escolha, quando a política transforma a justiça em ponderação relativa, a exemplo do que acontece na maioria dos governos totalitários. Na democracia, a corrupção – que é crime – não tem lado, está sempre errada e merece, em qualquer caso, o rigor da lei para quem é pego roubando a população, desviando recursos públicos, superfaturando projetos e reduzindo a já baixa capacidade de investimentos necessários às demandas coletivas. No Brasil, a corrupção parece estar sendo vista novamente como um crime relativizado, o que não é novidade: o Estado patrimonialista é uma tradição nacional faz tempo.
A confusão entre o público e o privado, na expressão de Darcy Ribeiro, faz com que o cargo público seja deturpado em sua função, e passe a servir de ponte para interesses privados, como se o dinheiro do contribuinte fosse um cofre infinito para os temporários inquilinos do poder. Um exemplo recente de patrimonialismo foi desvendado pela operação Lava Jato, deflagrada há uma década e considerada, em seu auge, como uma das maiores cruzadas contra a corrupção no mundo. Hoje os métodos e processos investigativos são questionados, e até denunciados como abusos de poder – deixando em segundo plano a pergunta crucial da operação: houve corrupção, ou não?
Mesmo que se evite a pergunta incômoda, o negacionismo de envolvidos e simpatizantes dos governos e partidos que estiveram no alvo da Lava Jato, em especial do PT, não pode, no entanto, riscar da realidade a recuperação, para os cofres públicos, de nada menos que R$ 2 bilhões desviados pelos corruptos. Muitos foram presos, admitiram o roubo e fizeram a gentileza de devolver parte do dinheiro ao erário, em acordos de delação. Foram realizados mais de uma centena de acordos de colaboração. O valor diz respeito apenas aos acordos com pessoas físicas. Há outro montante recuperado na colaboração de empresas envolvidas.
Em dez anos desde o início da operação, o Supremo Tribunal Federal abrigou 211 decisões colegiadas a respeito de casos da Lava Jato. Restam seis inquéritos na mesa do relator, no STF, o ministro Edson Fachin. O cancelamento de punições a empresas que participaram dos esquemas de subtração do patrimônio público, no âmbito do STF, revela titubeio jurídico que levanta a suspeita de influência política na atuação da justiça. Os corruptos deixaram de ser corruptos, ou as penas não mais se aplicam? Os passos atrás da corte suprema chamam a atenção por revogarem, de certa maneira, a veemência com que o mesmo Supremo se lançou na cruzada anticorrupção, junto com a Lava Jato.
O desvendamento do petrolão, na Petrobras, e as investigações que se seguiram, deixaram marcas positivas na ética política, como a mudança no financiamento de campanhas eleitorais, e a Lei das Estatais, restringindo as indicações políticas para as empresas públicas. Uma década mais tarde, apesar do desgaste político e das reviravoltas no STF, os brasileiros esperam que a lição permaneça: a corrupção continua sendo crime, e não pode ser esquecida, nem perdoada.

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