DRAMA SOCIAL

Recifenses vivendo nas ruas

O aumento da população de rua em Boa Viagem motivou audiência pública sobre a questão – perceptível em toda a capital pernambucana

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JC

Publicado em 21/03/2024 às 0:00
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Em entrevista sobre seu filme “Dias perfeitos”, que narra o cotidiano de um profissional de limpeza dos banheiros públicos em Tóquio, no Japão, o diretor Wim Wenders afirmou: “O banheiro é onde todos são iguais, não tem rico e pobre, nem velho e jovem, todos são parte da humanidade”. Ampliando o que Wenders chama de ideia utópica dos japoneses, podemos dizer que, assim como as praças e a praia, exemplos de espaços públicos para qualquer cidadão, a rua deveria ser um ambiente em que a humanidade pudesse ser vista sem distinções. Mas não é bem assim. Nem no Japão dos requintados banheiros públicos iluminados e transparentes, nem num país campeão da desigualdade, como o Brasil.
Destaque entre os desiguais, a capital pernambucana expõe na rua um drama social que tem aumentado nos últimos anos. Esta semana, uma audiência pública na Câmara de Vereadores do Recife foi convocada para tratar do assunto, tendo por foco o crescimento da população em situação de rua em Boa Viagem. Moradores do bairro e gestores de órgãos dos governos do Estado e do município participaram do encontro, com o objetivo de chegar à melhor maneira de encarar e resolver o problema da exclusão e da indignidade escancaradas.
A degradação apontada pelo proponente da reunião, o vereador do Solidariedade, Paulo Muniz, não se restringe a um bairro. Na maior parte do território recifense, especialmente no Centro, cidadãos em situação de rua se arrumam como podem nas calçadas, à espera do milagre de ações concretas dos governantes e da sociedade que representam. Quem sabe a construção de banheiros públicos decentes, inspirados na organização da cultura japonesa. Antes disso, o refugo humano precisa ser cuidado como prioridade, o que não ocorre, se olharmos para onde vão os recursos aplicados nas ruas do Recife. A solidariedade e a filantropia têm seu lugar, mas não atingem o essencial, enquanto as pessoas desassistidas continuam sem comida, higiene, educação, saúde, segurança, trabalho e habitação.
Um abrigo noturno e cozinhas populares foram citadas pela Prefeitura como parte dos planos para essa população em Boa Viagem, sem mencionar prazos nem outros detalhes. Faltam abrigos por todo canto. No Centro do Recife, parece faltar quem se importe com tamanho contingente de excluídos. A audiência na Câmara terminou com a proposição de um grupo de trabalho para cuidar do tema em relação a Boa Viagem. A intenção da discussão ampliada para a viabilização de projetos não deixa de ter sua valia. Mas os diagnósticos se repetem, e o drama não espera deliberações burocráticas para meses e anos de postergação, de eleição em eleição.
O drama de quem vive nas ruas é diário, e cada dia é um sofrimento que se prolonga. As decisões a respeito dessa vergonha política para os recifenses e para os pernambucanos já poderiam ter sido tomadas há muito tempo. Governos não precisam aguardar para fazer o bem. Por que outras escolhas, de decisões de outra ordem para a cidade ou para o estado, não demoram tanto para serem feitas, assinadas e consumadas?

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