Moderação na democracia
Votação unânime dos ministros do Supremo Tribunal Federal rechaça qualquer interpretação autoritária sobre o papel das Forças Armadas
Uma consulta a respeito de suposto papel moderador das Forças Armadas serviu para afastar interpretações maliciosas da Constituição, voltadas para criar instabilidade política e disseminar a tentação autoritária. Mas os juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) descartaram essa visão, pondo a força do Estado na República e na democracia em seu devido lugar. Para os ministros do STF, por unanimidade, o artigo 142 da carta constitucional nem sugere, nem autoriza uma ruptura da ordem institucional com a alegada moderação de tropas no Brasil. Restaura-se o óbvio bom senso: Exército, Marinha e Aeronáutica fazem parte das instituições, submetidas a elas, e não, acima delas. A decisão ressalta uma verdade que precisa ser repetida em nossa época de pressão sobre a ordem democrática, no Brasil e em outros países do mundo - moderação na democracia é a própria democracia. Cabe aos atores políticos, aos integrantes dos Três Poderes e à população, buscarem mecanismos institucionais capazes de debelar crises, regular a ordem vigente e aperfeiçoar o atendimento às demandas da população, sem abdicar dos preceitos constitucionais e dos valores da liberdade. Estabelecida a premissa democrática, cumpre às instituições zelar pelo patrimônio da lei, defender os direitos dos cidadãos, e evitar a difusão da desinformação que confunde a população e atiça um deslocado golpismo.
Intervenções que houveram no passado não se inspiraram na democracia. Escrita para uma nação democrática, a Constituição do Brasil não tem espaço para o intervencionismo de um poder sobre outro, ou das Forças Armadas na normalidade institucional, sob qualquer hipótese. Para o ministro Luiz Fux, relator do caso, a tomada de poder, “seja qual for a intenção declarada, fora da democracia representativa ou mediante seu gradual desfazimento interno, age contra o texto e o espírito da Constituição”. Para o juiz, é necessário “constranger interpretações perigosas que permitam a deturpação do texto constitucional e de seus pilares, e ameacem o Estado Democrático de Direito”.
As Forças Armadas devem agir, ao contrário da pregação de deturpações golpistas, para preservar e defender a democracia contra ameaças ao funcionamento das instituições. Portanto, o uso da força é válido em nome da democracia, e não em sua destituição, para a garantia dos direitos coletivos e individuais, e não, para sua negação. Para ficar dentro das quatro linhas da Constituição, não há brecha para a suspensão da soberania dos poderes, e muito menos para a supressão das liberdades democráticas. Toda insinuação nesse sentido é mentirosa e fantasiosa, devendo ser coibida segundo a legislação. O óbvio vale ser dito e frisado, quantas vezes for preciso: a violação do poder estabelecido pela democracia é inconstitucional, e se tentado, é um crime, e como tal, passível de punição.
É de se lamentar que a reafirmação da letra constitucional seja requerida para afastar novos embustes autoritários. Mas é de se louvar a unidade do STF, inclusive pelos membros da corte indicados pelo ex-presidente da República, segundo o qual o restabelecimento da ordem no país poderia ser solicitado por qualquer poder às Forças Armadas. Não pode, é crime, e quem defender ou promover esse engodo se insinua como criminoso.