De acordo com a Confederação Nacional de Municípios (CNM), mas de 5 mil cidades brasileiras registraram desastres naturais envolvendo enxurradas e alagamentos, na última década, solicitando a situação de emergência ou de calamidade pública. Há municípios no Rio Grande do Sul em que os moradores enfrentam o mesmo sofrimento, as mesmas perdas e as mesmas promessas, por duas ou três vezes, no espaço de meses. Nem precisamos ir longe: na Mata Sul ou na Região Metropolitana, as fortes chuvas castigaram, mataram dezenas e desabrigaram milhares de pessoas, anos atrás. Os brasileiros já convivem com as mudanças climáticas há algum tempo. Mas os governos, além das reações burocráticas e, em diversos casos, demagógicas, de sempre, parecem pouco propensos a acreditar que esse deve ser um assunto do planejamento permanente da gestão pública.
Em entrevista para o Meio, a ministra Marina Silva revelou que o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) estima que 80 milhões de brasileiros, de quase 2 mil municípios, estão expostos a eventos climáticos extremos. Em comparação com o estudo da CNM, os números do governo federal são até acanhados. A verdade é que não há cidade no Brasil onde a população se sinta em segurança diante das mudanças climáticas. E o motivo não é apenas o temor da violência da natureza: o cidadão percebe a omissão dos governos, ao longo dos anos, no enfrentamento de uma questão na pauta planetária há mais de meio século.
O atual governo federal, inclusive, faz parte da história do atraso das políticas de prevenção a desastres naturais no país, já que não é o primeiro mandato do presidente Lula ou do PT no Planalto. A própria Marina Silva já sofreu revezes e teve sua visão de mundo prejudicada em detrimento do pragmatismo político. A valorização de sua voz e de seus princípios neste momento de crise aguda em um estado brasileiro, passa pela compreensão de que não existem saídas a não ser a prevenção e a adoção imediata de ações de sustentabilidade. Ações articuladas em todos os níveis de governo, que dependem da sintonia política e apartidária em defesa da qualidade de vida, e mesmo da sobrevivência, das parcelas da população mais vulneráveis ao risco climático e ambiental.
A adaptação ao possível novo normal das mudanças do clima impõe aos gestores públicos a coragem de tomar decisões difíceis, muitas vezes impopulares, como a retirada de moradores de locais de risco, como encostas de morros e beiras de água. É assustador imaginar, por exemplo, o efeito de uma enxurrada como a do Sul no Recife, nas palafitas e morros em que os habitantes se atulham e se acomodam como podem, sob o olhar inerte dos governantes. O Brasil precisa acordar para a urgência ambiental, antes que catástrofes como a do povo gaúcho se repitam em outras regiões – ou lá mesmo, se nada for feito.