Triângulo de um desgoverno
Sem maioria nem articulação no Congresso, terceiro governo Lula está imerso em instabilidade que enfraquece as instituições
Como se os poderes da República imaginassem formar poderes autônomos, cada um buscando definir uma nação diferente, a partir de atribuições de sua exclusiva responsabilidade, há um Brasil quase à deriva. Com o Legislativo, o Executivo e o Judiciário correndo atrás de um protagonismo desconectado, não raro, das demandas e expectativas da população que é a razão de ser da República e seus poderes. Faz tempo que falta sintonia em detrimento da articulação entre os Três Poderes no país. Mas há momentos em que parece haver três governos ao mesmo tempo, cada um agindo por sua conta e puxando os holofotes para seus integrantes, tão isoladas umas das outras são as ações e declarações de seus membros.
O diálogo no Congresso se complica, e muito é judicializado, engarrafando o exame de problemas no Supremo Tribunal Federal (STF) e cortes intermediárias. A agenda do que é urgente atende à pauta política, mais do que às necessidades coletivas, saltando etapas de análise nas comissões para ir direto ao plenário. O Planalto e seus ministros travam duelos com deputados e senadores, no estica e puxa dos orçamentos e na construção, sempre improvisada, de uma base parlamentar minimamente digna desse nome. O cansaço é visível em alguns, como Fernando Haddad, cujo mantra do déficit zero é desmentido diariamente, dentro do próprio governo, e pelo Congresso, em ano eleitoral.
Parlamentares acusam o STF de legislar, trabalhando fora de sua competência, enquanto magistrados de variados escalões, inspirados na Corte Suprema, tomam decisões autocráticas, fazendo e desfazendo jurisprudências que surgem convenientemente para certos acusados enrolados em processos. No país do petrolão, do mensalão e da Lava Jato, a corrupção pode ser revogada pelo mesmo Supremo que apontou os corruptos, poucos anos atrás, como os piores detratores da democracia. A democracia não mudou, nem os corruptos. Nem o país, pelo visto.
O resultado da desorganização e das desavenças entre os poderes é uma sensação iminente de crise ou, no mínimo, de instabilidade institucional, com baixa credibilidade política e alta insegurança jurídica, apesar da garantia aparente das regras democráticas. Mesmo essas, não são imunes, contudo, à dimensão do caos que se insinua quando os ocupantes temporários do poder se acham imbuídos de capacidades eternas, guiadas por suas vontades casuísticas e inclinações ideológicas de momento. O triângulo do desgoverno brasileiro, formado pelos Três Poderes, passa aos cidadãos a certeza de que nada pode ser resolvido como deve ser, no prazo prometido e dentro do estabelecido como certo. E ainda, o temor de que tudo que se diz constitucionalmente válido pode ser derrubado na avaliação seguinte.
Se a qualidade da democracia passa pelo equilíbrio entre os poderes, como afirma José Álvaro Moisés, a tensão constante e o jogo de cena e de vaidades que tomam conta das relações entre os integrantes dos Três Poderes, no país, joga para baixo a qualidade das instituições que deveriam cuidar mais do apreço à virtude democrática – e à esperança dos brasileiros na democracia.