É raro ver uma palavra de equilíbrio fiscal nos discursos do presidente da República do Brasil. Mas Lula tem buscado, de vez em quando, se redimir das vezes em que sua incontinência verbal contribuiu para desacreditar o trabalho do ministro da Economia, seu amigo e ex-candidato à presidência, Fernando Haddad. Em entrevista coletiva no último sábado, Lula quis mostrar sensatez diante das pressões pelo ajuste fiscal, e afirmou que os gastos desnecessários, uma vez identificados, serão cortados. Para isso, vai convocar o conselho orçamentário para detectar o que não é preciso gastar. Contudo, no terceiro governo Lula e no quinto mandato do PT no Planalto, com quase 40 pastas com status de ministérios, o problema é que tanto o histórico, quanto a atualidade, conspiram contra o esforço retórico do presidente para não deixar Haddad parecer que está pregando no deserto.
Passada a mensagem de apoio, o presidente voltou a fazer suas ressalvas, mostrando que a convicção no equilíbrio fiscal continua mínima. Dizer que não será feito ajuste que afete a população mais pobre é, como de costume, jogar para a plateia um populismo que não se relaciona com o pano de fundo da questão. Se acreditasse no ajuste fiscal desde o início, ou em algum de seus mandatos anteriores, Lula não teria a estrutura ministerial que montou, deixando o Brasil às feições da arquitetura estatal de Cuba e da Venezuela – sobretudo esta última, um modelo a não ser seguido, com a população mais pobre afetada diariamente, e milhões de fugitivos do regime de Nicolas Maduro.
Ao devolver a bola ao empresariado que pede a desoneração de 17 setores e, em paralelo, reclama do déficit fiscal, Lula esquece que somente agora, no meio do terceiro mandato, aparece prestando atenção no que podem ser gastos desnecessários. O déficit fiscal não é um problema dos empresários, mas de toda a nação brasileira, por causa de sucessivos governos que não cuidaram como deveriam ter cuidado das contas públicas – inclusive os do PT. O Brasil ainda se vira pelo tamanho da economia, mas sem avançar no desenvolvimento que inclua os pobres, revertendo a desigualdade persistente. Outro exemplo na América Latina, pior do que o nosso, é o da Argentina, onde a população escolheu a aventura Milei, entre outras razões, devido ao discurso populista direcionado ao avesso da gastança, prometendo reduzir o tamanho do Estado.
Para não terminar a entrevista tendo que falar de novo num assunto de seu profundo desagrado – o déficit e o equilíbrio das contas – Lula voltou à grandiloquência conhecida, dizendo que deseja encerrar o mandato com o país em sexto lugar na economia mundial. O que seria muito bom, mas de novo, sem equilíbrio fiscal, nem uma estrutura administrativa coerente com a ocasional lembrança de “gastos desnecessários”, tem tudo para não ser uma conquista compartilhada pela maioria dos brasileiros.