J. Borges é Pernambuco em xilogravura

Artista de reconhecimento internacional deixa importante legado para a cultura brasileira, e uma orgulhosa saudade para o Nordeste e o nosso estado

Publicado em 26/07/2024 às 15:33

O ateliê está em silêncio, a madeira, triste, sem riscos. Bezerros e o estado inteiro, de luto. Partiu da vida José Francisco Borges, o nosso J. Borges, um dos artistas pernambucanos mais celebrados no Brasil e no exterior, tendo passado por vários países, compartilhando as técnicas da xilogravura e a poesia do cordel, por onde ia. Ariano Suassuna o admirava e estimulava, reconhecendo a excelência de sua obra como a melhor do país no que fazia. Contador de histórias, J. Borges foi um dos maiores ilustradores da pernambucanidade, cujas imagens carregam a alma nordestina, encantando a todos pela originalidade e traços marcantes. A assinatura de J. Borges se disseminou como uma assinatura pernambucana. E certamente continuará sendo assim, espalhando a nossa cultura, depois que o artista deixa a obra vivida como legado.

A simplicidade sempre o acompanhou. Duvidava da arte que estampava, e dos admiradores que a exaltavam. Em entrevista ao JC quando completou 80 anos, em 2015, J. Borges declarou que gostava de ser artista porque não tinha tido direito a estudar. Para ele, ser artista era “um meio de gozar as delícias do mundo”. Modesto, achava seu trabalho comum: “Eu sei fazer, mas não gosto de elogiar o que é meu”, disse, acrescentando que não se sentia importante. Acreditava ser artista quando os outros apontavam, e queria suas obras adquiridas por toda gente, democraticamente. Patrimônio Vivo de Pernambuco com toda justiça, J. Borges também confessava paixão pela literatura de cordel: “O cordel nunca sai de mim, não, porque tudo o que nasceu foi do cordel”. Os cordelistas têm por ele imenso respeito, pelo papel de relevo que cumpriu, popularizando os livrinhos típicos do Nordeste.
O artista morreu aos 88 anos nesta sexta-feira. Vítima de enfarte, enquanto se recuperava de uma infecção, fazendo tratamento em casa, ao lado do Memorial Jota Borges, na cidade de Bezerros. Uma vida dedicada ao ofício que abraçava com humildade e paixão. E que gerou tanto reconhecimento. Em 2002, há mais de 20 anos, sua obra ilustrou o calendário anual das Nações Unidas. Em 2005, o jornal The New York Times o comparou a Pablo Picasso, sendo chamado de gênio da cultura popular. Ariano não discordaria. Nem Eduardo Galeano, escritor uruguaio que também era seu fã, e ilustrou capas de livros com J. Borges.
Faz mais de 50 anos que a xilogravura de J. Borges retrata os nordestinos e fascina o público do mundo inteiro. Sua arte na madeira, reproduzida em detalhes pela técnica característica, foi vista no Louvre, em Paris, no Museu de Arte Moderna de Nova York e em outros lugares do planeta. Os temas do cotidiano sertanejo e do imaginário nordestino habitam suas obras, compondo mosaico representativo do cenário regional e brasileiro – e apelo universal, como toda grande expressão da arte. O artista se vai. O nosso deslumbramento fica, e se transmite às novas e futuras gerações, como a saudade que já nos orgulha, na falta de J. Borges.

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