Obscurantismo no século 21

Ministério para a Propagação da Virtude e Prevenção do Vício do Afeganistão, governado pelo Talibã, eleva a censura e proibições no país

Publicado em 24/08/2024 às 0:00

Em três anos de domínio do poder no Afeganistão, os Talibãs impõem cada vez mais restrições à liberdade dos indivíduos, promovendo reformas violentas nos costumes e restringindo até o uso da máquina de escrever – sob a alegação de que é preciso ter cuidado com o que sai no papel datilografado. O ofício do jornalismo no país sobrevive com resquícios de possibilidades de expressão e divulgação da informação para o público. As mulheres devem usar roupas que cubram o corpo e o rosto, roupas que não podem ser finas, para “não causar tentação”, segundo o governo. A polícia do moralismo também atinge, em menor escala, os homens, que não podem raspar a barba, nem pentear o cabelo de maneira fora do padrão estipulado. Quase trezentos foram afastados das forças de segurança, porque estavam sem barba, ou com a barba mais rente do que o permitido.
O que se vê no Afeganistão é mais um alerta para o mundo inteiro, sobretudo para as populações de países democráticos que têm dado corda a radicalismos montados, muitas vezes, sobre discursos de reformas nos costumes, usando o moralismo como isca para resgatar ou manter o que chamam de tradições. Mas que não passam, na maioria dos casos, de cerceamento a direitos básicos, invadindo o terreno da liberdade com as tropas da intolerância e da discriminação. E da mentira explícita, como a Venezuela de Nicolás Maduro e sua proibição à oposição de participar do processo eleitoral, com a realização de uma eleição de fachada, antecipada e sucedida por prisões e violência política. Os extremismos se tocam nas consequências maléficas de longa duração para a população, espremida por tiranias opressoras.
No ano passado, mais de 13 mil afegãos foram presos, acusados de terem praticado atos imorais, pelo Ministério para a Propagação da Virtude e Prevenção do Vício do Talibã. A informação foi divulgada pelo próprio Talibã, que não explicou o que teriam sido esses atos de imoralidade que motivaram as prisões. O trágico no obscurantismo é a certeza na definição de critérios sobre os quais ninguém, além dos ditadores e seus séquitos, possui noção do que sejam. Para o Talibã, o sorriso e a voz de uma mulher podem ser imorais, assim como um homem sem barba. Como em todo regime totalitário, a liberdade de expressão atinge em cheio a imprensa, cuja razão de ser mora no direito dos cidadãos de serem bem informados – especialmente com variedade de pontos de vista. No Afeganistão, a máquina de escrever se consuma como objeto perigoso, recordando a obra “1984” de George Orwell, em que a simples anotação em um pedaço de papel era monitorada pelo governo.
Se as democracias contemporâneas encontram dificuldades para responder às demandas dos povos em diversos países, a escolha dos governantes e dos parlamentares, bem como a autonomia do Judiciário, num sistema tripartite equilibrado, precisa dispor de redes institucionais de proteção contra os radicalismos. Na democracia, a propagação da liberdade e a prevenção do autoritarismo são causas cotidianas, que devem ser impulsionadas periodicamente, no ato – imoral para extremistas – do voto.

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