Onde morar é um problema
Legislação limitante e área reduzida fazem do Recife uma das mais difíceis capitais do país para a gestão da habitação – e a população é que sofre
O déficit habitacional na capital pernambucana é uma questão complexa há muitos anos. Tanto pela falta de prioridade do poder público, quanto pelas barreiras impostas ao mercado imobiliário, até para a construção e comercialização de unidades para a população de baixa renda. Sem os instrumentos legais adequados, nem o estímulo necessário dos governos, a falta de moradia se arrasta há décadas, parecendo um problema sem solução. Não é bem assim. Alternativas existem, mas há obstáculos a serem ultrapassados, caso se enfrente o problema sem demagogia. E essa é uma das demandas na fila do atendimento pelo próximo prefeito ou prefeita do Recife, na definição das eleições de outubro.
O resultado das limitações urbanísticas é que parcela expressiva dos potenciais moradores de novas unidades para o programa Minha Casa Minha Vida, por exemplo, perdem a oportunidade de terem a casa própria, porque a viabilidade dos empreendimentos é baixa para o setor. A revisão da legislação é uma solicitação dos empresários, utilizando a cidade de São Paulo como exemplo, onde o adensamento em zonas de interesse social foi permitido, através da permissão para maiores gabaritos – prédios mais altos. O adensamento verificado nos morros do Recife, à revelia da legislação, mostra que a proteção do território é contraditória, uma vez que as construções irregulares são piores para o meio ambiente – sem áreas de recuo e terreno natural como exigido para as edificações altas – e para os habitantes, pois muitas vezes a estrutura de serviços é precária.
De acordo com os construtores, 80% do território recifense tem o potencial construtivo afetado pela legislação, agravando o déficit habitacional. Nesta terça, a questão voltou a ser assunto de debate, na Rádio Jornal, com representantes do governo do Estado e do setor. Em números da PNAD de 2022, o déficit na capital pernambucana é de 54 mil unidades. Para reduzir esse alto volume, até mesmo o programa do governo estadual de subsídio para a entrada num imóvel esbarra nos obstáculos da legislação urbanística na cidade. Sem que nada mude, os obstáculos podem induzir empreendimentos em municípios vizinhos, já que o Recife exibe barreiras legais contra os prédios que poderiam amenizar o déficit, segundo parâmetros de qualidade maiores do que as construções irregulares, muitas delas em áreas de risco.
Além dos entraves na capital, foi sugerida no debate na Rádio Jornal a formulação de um Plano Diretor Habitacional para a Metrópole, com o objetivo de articular as demandas habitacionais e as oportunidades. Assim, a moradia é um dos temas que precisam de gestão metropolitana, assim como a destinação de resíduos, o transporte e a mobilidade, ou a gestão da energia. De fato, a visão metropolitana ainda tem um longo caminho a percorrer na gestão em Pernambuco, e a questão habitacional na capital e cidades vizinhas poderia se beneficiar bastante de um instrumento legal de integração das políticas públicas e das regras para os empreendimentos – para o bem coletivo.