O que bilhões não pagam
Quase uma década depois da derrama de lama de mineração em Mariana, a Justiça brasileira define o valor de reparação, para algo que não se repara

O sistema judiciário brasileiro, fiador da democracia e vigilante do equilíbrio entre os poderes, apresenta problemas estruturais – como tudo no país – quando se considera o tempo para a conclusão de processos. O que vale tanto para os milhares de ocupantes carcerários que já poderiam ter saído das prisões, quanto para o maior crime ambiental praticado no Brasil. A tragédia de Mariana, como é conhecida a derrama de detritos de mineração que cobriu de lama tóxica uma área equivalente a 13 mil piscinas olímpicas, em Minas Gerais, no rompimento de uma barragem que matou 19 pessoas e impactou fortemente a biodiversidade na região, é um caso que pode ser vexatório para a Justiça nacional.
Como há o envolvimento de uma multinacional, a demora da insegurança jurídica brasileira pode fazer com que cortes de fora do país precisem intervir. O temor global é que Mariana se transforme em perigoso precedente sem as devidas punições. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luis Roberto Barroso, se mostrou preocupado com uma eventual resolução a partir do exterior. Na semana passada, o STF referendou um acordo para o pagamento de R$ 170 bilhões em reparações e indenizações. O valor será pago em 20 anos, pelas empresas controladoras da Samarco, responsável pelo crime. As controladoras são a Vale e a BHP Billiton, anglo-australiana.
Apenas para políticas socioambientais de restauração, ficou estabelecido um montante de R$ 100 bilhões. Mas o prazo de duas décadas é motivo de críticas pelos ambientalistas e por representantes da população atingida. Até o presidente da República enxergou a lacuna óbvia no acordo: a falta de especificações para o destino dos recursos que serão desembolsados das empresas para o governo federal. Lula cobrou projetos para uso do dinheiro, para que haja consequências objetivas à monetização da desgraça, para lembrar uma expressão do presidente do STF em relação ao assunto. “Tragédias não podem ser tratadas como investimento financeiro”, afirmou Barroso.
O valor bilionário pode ser um valioso recurso para a promoção da sustentabilidade, em uma área devastada pela irresponsabilidade ambiental. Mas a responsabilização precisa ir muito além da questão financeira. Até porque há danos que o dinheiro não paga, como as mortes causadas e os estragos à natureza, que não se compensam monetariamente. E o ministro Barroso tem razão: desgraças não têm preço. O importante é que sejam prevenidas, e o melhor é que não aconteçam. Em uma época de turbulências naturais na rotina das mudanças climáticas, o crime de Mariana não poderia ser deixado intacto por tanto tempo. Não foi uma tragédia ambiental, mas provocada pela ação humana sem medida, nem sensatez, e surge, quase dez anos depois, como ilustração do tipo de civilização que não é modelo para a humanidade.