Desinteresse recorde pelo voto
Com quase um terço dos eleitores sem ir às urnas, grandes cidades brasileiras ilustram um problema que pode comprometer a democracia no País

Pouco mais de um quinto dos brasileiros, em média, não foram exercer o direito à escolha de prefeitos e vereadores no primeiro turno das eleições municipais deste ano. Em Porto Alegre, a ausência dos gaúchos foi a maior do Brasil na primeira votação – 31,5%. O percentual foi similar ao não comparecimento dos paulistanos: na maior cidade da América Latina, São Paulo, a abstenção venceu até o segundo colocado, com mais votos não computados do que os conferidos a Guilherme Boulos. Na capital gaúcha, o segundo turno foi ainda mais contundente, com cerca de 35% das pessoas habilitadas para irem às urnas preferindo não ir votar, abrindo mão da prerrogativa democrática básica. Em Goiânia, o número foi de 34%, em Belo Horizonte quase 32%, em Porto Velho e Curitiba, 30%.
O desinteresse recorde pelo voto em alguns municípios levanta a questão do desinteresse maior pela política. É preocupante quando a cidadania, a duras penas conquistada e distribuída, é abandonada pela população no ato mais necessário de engajamento político. É claro que isso deve ser atribuído, em primeiro lugar, à qualidade da política em voga na atualidade brasileira – há muitos anos, não apenas no presente. Com o passar dos anos e a sucessão de gerações, a população vai nivelando por baixo os representantes e lideranças, confundindo os maus políticos com a política, ao ponto de apresentar frustração com os princípios democráticos. Como se a vida fosse melhorar sem as virtudes – e os problemas que precisam ser enfrentados – encontrados numa democracia.
No Rio Grande do Sul, além da capital, outras quatro cidades onde houve o segundo turno registraram grandes taxas de abstenção: Caxias, Pelotas, Canoas e Santa Maria. Um debate foi aberto no estado, com o objetivo de aprofundar a compreensão pela desilusão – ou revolta – coletiva, negando-se à ir às urnas em tão larga escala. Em São Paulo, o volume do desinteresse é assustador: quase 3 milhões de paulistanos não foram votar, enquanto o segundo colocado na eleição, Boulos, teve 2,3 milhões de votos, e o vitorioso, reeleito, Ricardo Nunes, contabilizou quase 3,4 milhões de votos. Na zona eleitoral em que havia recebido mais votos no primeiro turno, Boulos viu, no segundo, uma abstenção de quase 40%, a mais alta da cidade.
O fenômeno do aumento das abstenções merece análises detidas, com desdobramentos que ultrapassem, no entanto, o âmbito de campanhas publicitárias de conscientização. A participação do cidadão é crucial para a democracia, não somente na digitação do voto, mas durante a campanha e o exercício dos mandatos. Mas para que haja maior participação, as cobranças devem ser escutadas, as promessas, cumpridas, e a realidade, transformada de fato pela política, elevando a credibilidade do processo democrático que inclui a representatividade coletiva fiada em indivíduos identificados como lideranças – municipais, estaduais ou nacionais.
Para a presidente do TSE, Carmen Lúcia, a causa do desinteresse é local. Trata-se de uma boa hipótese para começar a reflexão. Mas o problema é nacional, podendo ser visto em outros países.