Meio ambiente sem quórum
Com avanço diplomático mas sem resultado prático no financiamento, encontro da ONU sobre a biodiversidade termina mais uma vez em frustração

Quase duas semanas de debates terminaram de maneira vexatória, no último sábado, na Conferência das Nações Unidas para a Biodiversidade, em Cali, na Colômbia. Sem consenso formado a respeito do financiamento dos gastos com a proteção natural em tempos de mudanças climáticas cada vez mais severas, o encontro da COP16 foi encerrado sem quórum em sua última sessão. Um sentimento de frustração tomou conta dos participantes que restavam, e dos anfitriões do governo colombiano, que esperavam sediar um evento marcante para a definição de fundos globais em prol da preservação dos recursos naturais da Terra.
O objetivo declarado era estabelecer mecanismos para elevar, até 2030 – logo ali, em termos de planejamento – para 200 bilhões de dólares anuais a soma aplicada na proteção dos ecossistemas e suas espécies, buscando ainda reverter a seta ascendente dos efeitos das mudanças climáticas, como o aumento da temperatura média do planeta e o derretimento das geleiras. A proteção dos oceanos se encontra em 8%, e deveria atingir 30% nos próximos cinco anos. Será possível¿ Alterações nas correntes marítimas e a ocorrência de fenômenos climáticos extremos com maior frequência e intensidade são fatores que têm assustado os cientistas. Mas os diplomatas da ONU, representantes dos países, não conseguiram transformar os temores científicos em consequências práticas em defesa da vida no planeta.
Os compromissos firmados em dezembro de 2022 na COP15, em Montreal, no Canadá, celebrados como históricos, parecem estar se esfumaçando. Quase duas centenas de governos nacionais presentes em Cali anunciaram, pelo menos, um estatuto maior para os povos locais, e a criação de um fundo pelo uso de recursos genéticos em cosméticos e medicamentos – de contribuição voluntária por parte das empresas. As contribuições dos afrodescendentes e dos indígenas ganharam reconhecimento formal, e a promessa de um grupo permanente de debate sobre a participação dos indígenas na agenda preservacionista.
O apelo do cartaz oficial do evento em Cali – “A biodiversidade precisa de soluções imediatas” – soa inocente diante da frustração resultante. A aprovação de programas de trabalho que não demandariam um encontro com tamanha expectativa quanto a COP16, significa pouco para a agenda global. Um planeta com o clima em convulsão e a biodiversidade – noutra palavra, a vida – em risco, requer o empenho de todos os governos do mundo para a disponibilização financeira em prol de medidas que podem ser decisivas para ao menos postergar o fim do mundo como o conhecemos. É o modo civilizatório do ser humano que provoca a transformação climática e natural acelerada nas últimas décadas. E somente a civilização, unida, será capaz de tentar atrasar e reverter o processo de reset da natureza – pois se a Terra não corre perigo, nós e as demais formas de vida da atualidade, corremos.
Foi o ministro do Meio Ambiente de Serra Leoa, Jiwoh Abdulai, quem resumiu a sensação de impaciência, ao fim do encontro: “Por que a comunidade internacional está agindo com tanta falta de urgência quando se trata do incêndio global que enfrentamos atualmente com a perda da natureza?”, perguntou. Talvez porque, no fundo, não haja uma comunidade internacional. Falta claramente sentido de unidade aos Homo sapiens habitantes da Terra.