Papai Noel dos pobres
Tradicional campanha dos Correios mostra a importância da solidariedade e da mobilização social, em um país de imensa desigualdade
A iniciativa de carteiros que se emocionaram com os pedidos de crianças pobres a Papai Noel, em correspondências de Natal, fez surgir há 35 anos uma campanha nacional de apelo a madrinhas e padrinhos que possam adotar as cartas e atender aos pedidos nelas expressos. Sintoma da desigualdade persistente no Brasil, o Papai Noel dos Correios é uma prova do valor da solidariedade para atenuar o sofrimento da população em vulnerabilidade social, para a qual o final de ano traz o tormento de ver, nas crianças, a frustração no olhar que espera um presente, diante de condições de vida, em muitos casos, sequer sem o básico de dignidade.
O lançamento regional da campanha deste ano ocorreu na segunda-feira, no Compaz da Avenida Caxangá, no Recife, com estudantes da Escola Municipal Nova Aurora. O momento solene é menos festivo do que indicador da má qualidade de vida dos alunos da rede pública, que aguardam contar com a boa vontade dos que podem comprar presentes para terem seus desejos satisfeitos, ao menos, no Natal. E vale mais para informar a quem se encontra no privilégio do lado de fora da pobreza, que há muito para ser feito, sem depender dos governos, em termos de compensação social. Na ausência de políticas públicas capazes de minimizar a vulnerabilidade econômica que se desdobra em múltiplas vulnerabilidades – inclusive psicológica, quando não se tem o que se precisa, e muito menos o que se gostaria de ter – a campanha dos Correios já está consagrada, anualmente, como um instante de emoção que suscita reflexão.
Em 2023, foram 270 mil cartas adotadas, sendo 210 mil pessoas físicas e 60 mil atendidas através da parceria com 200 parceiros em todo o território nacional. Os pedidos são feitos por crianças de até 10 anos, a maioria desejando brinquedos e material escolar – noutra mostra inquietante da lacuna dos direitos elementares de educação para essa faixa populacional. Nenhuma criança, em qualquer lugar do mundo, deveria precisar pedir ao Papai Noel um item sequer de material escolar. Nesses casos, as próprias cartas são denúncias do descumprimento do dever constitucional de educar, que cabe ao setor público.
Um objetivo paralelo declarado da campanha é incentivar a escrita de cartas pelas crianças, promovendo o desenvolvimento cognitivo e emocional. Outro ponto que valeria a pena aprofundar e estimular fora da estação natalina, aproveitando a redação de cartas como impulso educativo e formativo. Especialmente, mas não apenas, por significar o contato direto com um tipo de comunicação não instantânea, que demanda tempo, foco e reflexão para se transformar em mensagem. Isso vale igualmente para os que leem as cartas de Natal, desacostumados ao toque do papel, ao olhar da letra de alguém.
O site oficial da campanha é: blognoel.correios.com.br, onde podem ser acessadas as cartas, disponíveis também nas agências dos Correios participantes. Também é possível cadastrar os pedidos, fotografando e enviando uma carta pelo site oficial.