Por que falta transparência?

Segundo a CGU, nem mesmo os ministérios que liberaram os recursos para as emendas de relator têm a informação dos nomes por trás dos repasses

Publicado em 14/11/2024 às 0:00
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Enquanto o governo e sua base procuram embananar o debate sobre o corte de gastos necessário para não comprometer ainda mais a saúde fiscal do país – num endividamento que envolve a população inteira, nas consequências – as chamadas emendas de relator voltam ao foco de interesse dos Três Poderes. O Judiciário cobra transparência, talvez mais para barrar o ímpeto do Congresso, que comandou somente este ano o envio de R$ 50 bilhões por essas emendas sigilosas. Os parlamentares fazem ouvidos moucos, como se a legislação casuística não fosse problema deles. E o Executivo, por mais que tente passar ao largo, igualmente fingindo não ter nada a ver com isso, está junto na coreografia da irresponsabilidade: os ministérios repassam o dinheiro sem perguntar a origem da designação, mantendo no anonimato os “padrinhos” ou “madrinhas” da mordida orçamentária que não estava prevista no orçamento.
As ações praticadas e financiadas pelas emendas devem ser legítimas, e atender a demandas inegáveis da população. Então soa estranho a falta de transparência na designação dos benfeitores. O que será que a revelação dos nomes poderia ocasionar de problema para o país, o Congresso ou a comunidade beneficiada? Uma coisa pode ser dita, sem sabermos os nomes envolvidos. Trata-se de um puxadinho orçamentário que vincula porções de poder paralelo ao governo federal, e responde ao improviso que foge do planejamento dos governos, muitas vezes cobrindo buracos que o orçamento formal e programado deixa em sua execução. Vale recordar, nesse prisma, a peregrinação de instituições de educação a Brasília, em busca de emendas que minimizem a escassez de recursos para cumprir as obrigações.
A confirmação de que os ministérios não sabem de onde vem a requisição foi dada pela Controladoria-Geral da União (CGU). Segundo nota oficial do Ministério da Saúde, “a informação sobre o parlamentar 'patrocinador' ou solicitante responsável pela indicação de determinado beneficiário é de responsabilidade exclusiva do Poder Legislativo, informação esta que não é disponibilizada aos órgãos do Poder Executivo”. Tem-se assim a opacidade compartilhada, sem constrangimento, entre poderes da República que desejam poder tudo, passando por cima do direito coletivo à informação.
O repasse de recursos sem transparência é problemático porque desestimula a participação do cidadão na cobrança das prioridades, retira eficiência na aplicação, já que não se sabe quem solicita, e ainda favorece a má gestão, abrindo o risco de corrupção, quando o poder político que proporciona a liberação permanece na sombra. Trata-se de prática antidemocrática, ainda por cima, ao privilegiar o sigilo em detrimento do esclarecimento dos gastos públicos, além de representar um traço de desigualdade na execução orçamentária, exigindo transparência em alguns casos, e noutros, não.
O Supremo Tribunal Federal (STF) está correto ao travar as emendas enquanto o seu funcionamento não for disciplinado, com respeito à população de onde os recursos redistribuídos vêm, e devem voltar, com responsabilidade.

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