Bônus para a saúde fiscal
Recuperação da capacidade de empréstimos com o aval do governo federal pode render preciosos bilhões de reais para a gestão estadual
No desigual federalismo brasileiro, estados e municípios com menor capacidade orçamentária dependem de repasses do governo federal, para cobrir as despesas obrigatórias. E ainda assim, na maioria dos casos, faltam recursos para exercer a arte de escolher prioridades na escassez de recursos – mesmo quando um governante parece nadar na abundância, pela duvidosa escolha de algumas destinações favorecidas em detrimento de outras. É nesse contexto de perrengue dominante que a possibilidade dos empréstimos aparece como imprescindível ao poder público, desde que se tome o dinheiro com responsabilidade, para objetivos que não seriam alcançados se não contassem com o apoio financeiro complementar.
Depois de quase dois anos pagando o preço da má gestão fiscal do governo anterior, a atual administração de Raquel Lyra fez o dever de casa, já no primeiro ano de mandato, segundo análise da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). E recuperou a Capacidade de Pagamento B, ou Capag B, certificado que garante a tomada de empréstimos com o aval da União. Sem o aval, os grandes empréstimos não são concedidos. A partir de agora, os pernambucanos poderão contar com o aporte de bilhões de reais que, até este momento, estavam impedidos de chegar, devido às condições desfavoráveis na saúde fiscal, deixadas pela gestão Paulo Câmara antes de findar – e não se trata de guerra de narrativas: é o STN que avalia, tecnicamente, a capacidade de crédito de um estado, a partir de indicadores e dados objetivos, tendo rebaixado a classificação de Pernambuco ao examinar o último ano de Câmara no governo, 2022.
A arrumação das contas estaduais foi celebrada pela governadora, mencionando a redução dos gastos e a reversão do déficit estadual. “Uma vez que recuperamos a credibilidade fiscal, poderemos ampliar os investimentos no Estado e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida da população”, afirmou. Mas o benefício na ponta para o cidadão não é garantido pelo simples e bem-vindo retorno da saúde fiscal ao Campo das Princesas. Ou sequer pelo aumento expressivo de investimentos. Como não faltam exemplos no Brasil – e em Pernambuco – grandes investimentos não são necessariamente sinônimos de ganhos coletivos. E basta lembrar a montanha de dinheiro deslocado para a construção da Arena, em São Lourenço da Mata, para enxergar a desconexão que pode haver entre centenas de milhões de reais e seus esperados efeitos positivos.
O bônus para a saúde fiscal, em forma de bilhões, como deve se concretizar, deve ser tão bem aplicado quanto a preparação de seu uso, a partir do acerto das contas públicas na primeira metade do governo Raquel Lyra. Há sinalização de que alguns bilhões serão investidos em infraestrutura rodoviária, hídrica e sanitária, o que aponta para uma escolha de governo. Num estado com tanta miséria e demandas, toda escolha é difícil. Mas cabe aos governos decidir a direção, e seguir adiante para as consequências do realizado, o quanto antes.