Mais gente, menos comida
Menor estoque de grãos em uma década é mais uma consequência dos fenômenos climáticos intensos que prejudicam a agricultura em vários países
A produção mundial de grãos tem sido prejudicada, nas últimas safras, pela frequência e intensidade de temporais e estiagens que reduzem as condições ideais de plantio e colheita, e também afetam o armazenamento. Este ano, os estoques da ordem de 576 milhões de toneladas são 5% menores do que a média de 2021 para cá. Mas a crise climática não é o único fator de um cenário de menor oferta para um consumo maior: o aumento de conflitos no planeta, em especial na Ucrânia – que não envolve mais apenas russos e ucranianos, ameaçando se tornar uma guerra regional – também tem contribuído para devastar ou restringir plantações, bem como o comércio de grãos em zonas de guerra. Os grãos e óleos vegetais da Ucrânia não saem mais de lá no volume que saíam para o mercado externo.
A alimentação saudável das populações nacionais, mantida a tendência de queda na produção es estoque de grãos, pode aprofundar a crise social que aflige bilhões de seres humanos em nossa época. O direito à segurança alimentar, no combate à fome, passa a ser uma perspectiva difícil de ser cumprida, do ponto de vista de que dispomos hoje. E não haverá melhora no horizonte se não forem tomadas medidas urgentes de convivência com as mudanças climáticas, bem como para o término dos conflitos que consomem bilhões de dólares, milhares de vidas e ainda diminuem os estoques de comida no mundo.
Os estoques de trigo, cevada, centeio e milho são menores porque o consumo de grãos cresce a um ritmo maior do que a produção é capaz de dar conta, incluindo a alimentação humana, de ração e industrial. As reservas de soja e arroz estão conseguindo crescer, apesar das ameaças do clima e das guerras. Mas o que há estocado não garante muito tempo de tranquilidade, em caso de crises severas prolongadas: a soja é suficiente para seis meses de consumo mundial, e o milho, para três meses. O equilíbrio da economia do alimento baseada nos grãos depende de um planeta onde o clima e a relação entre os países sejam mais previsíveis.
No Brasil, as safras recordes de soja e milho, e o aumento na de arroz, contribuem para amenizar o impacto de perdas com outros grãos em outros lugares do planeta. Além de sustentar o crescimento econômico, a agroindústria brasileira desempenha papel fundamental para a segurança alimentar global – mesmo que muitos cidadãos brasileiros se mantenham em condições vulneráveis para uma alimentação saudável e satisfatória. O papel essencial de nosso país no abastecimento alimentar global deve ser reconhecido e enfatizado nos próximos anos, diante dos riscos nos cenários ambiental e geopolítico. O que impõe, por sua vez, aos governantes brasileiros e à agroindústria, a responsabilidade de buscar aperfeiçoamentos apontados para o aumento da produção e da competividade, sem deixar de suprir o mercado interno, num país onde a desigualdade se expressa, em larga medida, pela alimentação disponível em quantidade e qualidade.
Para que a Terra não enfrente anos difíceis de mais gente para menos comida, a articulação da gestão na segurança alimentar precisa ser prioritária para todo o mundo, e as nações com melhores condições de atender às demandas, como o Brasil, têm que receber o devido reconhecimento por isso.