Valores de humanidade
A data cristã se espalhou entre os povos do mundo como símbolo de sentidos que fundam e transcendem as religiões – e não podem ser perdidos
Fraternidade, generosidade, solidariedade e empatia estão entre as atitudes celebradas e solicitadas na época natalina, que culminam na reflexão provocada pela data especial para os católicos. A tradição de povos antigos, anteriores ao cristianismo, veio se consolidar na base cultural cristã, espalhando valores que transcendem fronteiras e aproximam a humanidade de si mesma – e do planeta que nos abriga, já que também traz sentidos de conexão com a natureza e com o universo muito além do ser humano, no tempo e no espaço.
Valores que não podem ser perder na dureza de épocas marcadas pela violência, pela desnaturação, pela apologia da mentira, de guerras e da morte, como a época em que habitamos. Está correto o Papa Francisco, ao insistir na necessidade de compaixão com a população de Gaza, ou de sensatez diante da insanidade patrocinada por bilhões de dólares que pagam pela cara tecnologia da destruição em conflitos de ódio, intolerância e sede de poder acontecendo neste instante no mundo.
Antes da convivência em família e com os amigos, o Natal é um convite a enxergar o outro não tão próximo – e tampouco distante. O outro – diferente e igual, vulnerável e resistente. Um exercício de alteridade que prega o agir solidário, além da mera observação da realidade excludente e desigual. Não por acaso, o Natal é ritual coletivo, embora não se afaste da introspecção da fé. O espírito natalino há de ser includente, igualitário, desfocado dos egos e indutor de laços, ou não é Natal. Que não seja, porém, altruísmo de ocasião, e sim, elo fortalecedor da comunhão entre as pessoas e entre os humanos e todos os seres viventes.
Outro valor imprescindível é a capacidade para a pausa que se projeta para trás e para frente no tempo. Na esquina dos últimos dias de cada ano, somos levados a reminiscências e sonhos. O Cristo na manjedoura é imagem que remete à simplicidade no reconhecimento do que importa, e à humildade de se saber parte de algo indefinível na matéria, na palavra ou qualquer tipo de acúmulo – inclusive e especialmente o temporal. “Então é Natal – e o que você fez?”, perguntou John Lennon. A data provoca um balanço, um ajuste de contas interno, que se prolonga à espécie e aos contemporâneos. O que fizemos, o que estamos fazendo de nossas vidas, individual e coletivamente – o que fazemos juntos.
Esses e outros valores cultivados no Natal, independente da crença, são princípios humanizadores a nos acompanhar em antiga jornada. Deles brotam os sonhos, passados e presentes, desenhando o futuro que não cabe esquecer. Pois no íntimo da essência humana reside, ainda, a fagulha do futuro que há de vir, na forma de indignação, inquietude ou desejo de mudança. Afinal, o Natal é nascimento, e o nascimento é primordial transformação que surge afetando tudo ao redor. A esperança também se encontra na ceia simbólica do Natal: a potência de um mundo melhor está em nós, se formos o que podemos ser.