Fraternidade como utopia
Na data universal dedicada à reflexão sobre a paz, a igualdade e a convivência entre os povos, a humanidade tem mais a lamentar que a celebrar
O pulsar violento jamais foi tão presente quanto neste instante da história humana. O que é outra forma de dizer que nunca estivemos tão próximos da autodestruição. Para alguns, a era apocalítica já começou, com prenúncios de fenômenos naturais extremos intercalados com horrores da expansão de zonas de guerra onde as populações são expulsas, quando não são assassinadas pela tecnologia de ponta da morte. O contingente de pessoas que se deslocam afugentadas de suas casas e lugares de origem é imenso, sem que as travessias a destinos seguros sejam permitidas com o merecido acolhimento. Torramos bilhões e bilhões de dinheiro que faz muita falta, em armamentos, munições e veículos produzidos para matar gente – e não, salvar quem precisa de comida, remédios, educação, esperança e acalanto. Quem somos nós para falar de consequências, perguntou em um de seus romances o Nobel de Literatura, José Saramago. Quem somos, para celebrar a paz e a fraternidade?
A realidade que se deseja fraterna é muito mais intolerante, desigual e injusta do que recordamos no dia dedicado à celebração da fraternidade entre os povos. Que fraternidade no berço de grandes religiões, no Oriente Médio? Ou na África infestada de conflitos patrocinados pela exploração incessante do continente? Ou ainda, nas principais cidades brasileiras, incluindo o Recife, onde a miséria e a exclusão seguem naturalizadas como paisagem urbana instalada, como se os pobres gostassem de exercer o direito de ser pobres?
Do topo das decisões que culminam em longas guerras à base da educação que deve formar cidadãos fraternos, a humanidade parece carecer de valores que priorizem a cultura de paz e convivência. Enquanto isso, desde a infância até os nossos líderes infantis que transformam o exercício do poder em brincadeira perigosa, somos estimulados a nutrir desconfianças e animosidades em relação aos outros. De maneira transversal, em todas as classes sociais, a cultura do ódio está mais adiantada e praticada, no século 21, do que a cultura da paz. O que não se deve apenas à comunicação doentia nas redes sociais – até porque parte do que circula nas redes já era vigente antes, e se transportou para lá, alcançando mais receptores.
A conexão tecnológica pode ser um instrumento poderoso de aproximação das pessoas de todos os cantos da Terra. Mas também pode ser utilizada para segregar e distanciar. Como sempre, a escolha está posta. E o que temos escolhido? Quais lideranças políticas expressam a fraternidade na prática, além de apontar para a utopia? Como temos usado, em nossas relações presenciais e virtuais, a nossa capacidade para o diálogo, o acolhimento e o amparo? Os nossos dias estão mais ocupados com o amor, ou com o ódio e a indiferença?
Fraternidade é conectividade, atenção, respeito. É a conversa entre próximos, e não o silêncio entre distantes. Tomara que em 2025 tenhamos mais motivos para brindar passos dados em direção a uma comunidade humana universal.