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Vendedor há 52 anos na orla de Boa Viagem, Zezinho do Coco nunca viu nada igual pandemia do coronavírus

Proprietário do quiosque em frente ao Edifício Acaiaca, Zezinho é rosto conhecido na Praia de Boa Viagem

Maria Lígia Barros
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Maria Lígia Barros
Publicado em 25/08/2020 às 14:59 | Atualizado em 26/08/2020 às 12:34
YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM
Zezinho do Coco barraqueiro há 52 anos na orla de Boa Viagem na expectativa por dias melhores após requalificação dos quiosques. - FOTO: YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM

Há 52 anos, Tomé Ferreira de Lima, conhecido como Zezinho do Coco, é vendedor de coco na Avenida Boa Viagem, Zona Sul do Recife. Foi em 1968 que o comerciante se estabeleceu na barraca em frente ao Edifício Acaiaca, onde permanece até os dias de hoje. Ao longo das décadas, viu a praia mudar, embora não com a velocidade que gostaria. Vivência que trouxe experiência e uma coleção de histórias. Mas nada que se assemelhe com às transformações impostas pela pandemia do coronavírus neste ano, quando teve inclusive que fechar o seu quiosque. Com a retomada econômica, Zezinho espera não só dar seguimento a sua vida de empreendedor, mas também viver novas experiências pessoais.

Durante a pandemia, o vendedor e os demais barraqueiros perderam o sustento por quatro meses, tempo em que o comércio na praia foi suspenso como medida de contenção contra a covid-19. Ele pôde contar com as economias da empresa para não passar necessidade, mas a saúde mental foi afetada. “Eu e minha esposa tivemos um pouco de depressão. Minha situação foi muito debilitada. Uma coisa fora do comum”, explica.

Pelo lado do empreendimento, houve prejuízo. “Perdi controle empresarial, perdi muita mercadoria por conta da validade. A gente achava que ia voltar no dia seguinte e não devolveu (as bebidas) aos depósitos.”

Mas a dificuldade que mais destaca foi no campo afetivo. Com mais de 60 anos, diabetes e “problema no coração”, ele precisou ficar longe dos filhos, dos irmãos e dos clientes. “Trabalhei isso com muita responsabilidade, muito autocuidado”, contou.

Até hoje, o distanciamento que precisa cumprir lhe comove. “É como dizem, o novo normal. É triste. Sou uma pessoa que gosta de tocar e ser tocado, abraçar e se abraçar. Estou aceitando, mas que é fácil, não é”, pondera.

Do alto dos 71 anos, Zezinho diz que nunca imaginou. Traça um paralelo com a gripe espanhola de 1920, da qual teve idade para ouvir falar. "Há 100 anos, na cidade que nasci, eram tempos de epidemia. Aí chega essa outra para o mundo, para mim foi grande surpresa. Agora, assistir e passar por essa situação, longe dos meus filhos, dos meus irmãos, foi muito triste", reitera.

Memória

Assistiu à passagem de tempo com uma memória de dar inveja: Zezinho tem gravado na mente as datas exatas dos acontecimentos que marcaram sua vida.

Ele relembra precisamente às 20h30 daquele 13 de março quando chegou à praia. Na época, o calçadão chegava até ao número 5.000 da avenida. “A avenida era as mesmas 4 faixas de hoje, na época o trânsito era pouco”, descreve. Tampouco não havia quiosque. Zezinho fixou-se no local com uma caixa feita de tábuas na faixa de areia.

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Ele veio direto de Limoeiro, no Agreste de Pernambuco, a convite do então sócio, com “500 cocos, uns canudos e roupa para dormir na beira da praia”. “Mas não trouxe a faca. Uma pessoa que trabalhava na mesma casa que meu sócio, uma empregada doméstica chamada Caetana, chegou na mesma hora que eu cheguei, foi arrumar a faca pra mim, e eu fiquei esperando”, conta.

Enquanto aguardava, lhe veio o pensamento que deu origem à alcunha que leva hoje. Ele tinha 12 anos quando começou a ser chamado de Zezinho. Nas casas e endereços por onde passou, foi Zezinho de Laura, de Irene, de Manuel e de Antônio. “Eu pensei: quem é que eu vou ser agora? Olhei para o céu, na praia de Boa Viagem, onde ainda não vendia coco, era deserto. Ele lá de cima mandou: Zezinho do Coco”, fala.

Sonho

Olhando para trás, ele lembra que a trajetória que seguiu nem sempre foi seu desejo. Sua vontade quando criança e adolescente era de ingressar no Exército para aprender a ler e escrever. “Meu maior sonho era ir para o quartel para fazer pelo menos o ABC e a cartilha. O primeiro nome que eu escrevi na minha vida foi aos 17 anos”, diz.

YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM
Zezinho do Coco barraqueiro há 52 anos na orla de Boa Viagem na expectativa por dias melhores após requalificação dos quiosques. - YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM
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Zezinho do Coco barraqueiro há 52 anos na orla de Boa Viagem na expectativa por dias melhores após requalificação dos quiosques. - YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM
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Zezinho do Coco barraqueiro há 52 anos na orla de Boa Viagem na expectativa por dias melhores após requalificação dos quiosques. - YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM
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Zezinho do Coco barraqueiro há 52 anos na orla de Boa Viagem na expectativa por dias melhores após requalificação dos quiosques. - YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM

Zezinho não passou na seleção apertada. Passou a trabalhar com gado com o homem que lhe criou como pai - emprego no qual aprendeu a ler. “Lá dentro tinha um doutor que me ensinou as palavras. Eu leio bem mas só escrevo no computador”, relata. Quando o negócio fechou, recebeu do futuro parceiro, que era vigia de casa, a proposta de vender coco no Recife.

“Ele mostrou o local, eu gostei, topei, voltei pra casa e fiquei aguardando meu patrão chegar de viagem. Eu conversei com ele, que queria me levar para outro canto. Mas eu disse: meu destino é esse.”

Transformações

Nos últimos 51 anos, mudaram Zezinho, a avenida e a estrutura onde ele trabalha. “A caixa mudou em julho de 1968, quando foi feita a barraca quadrada de 12 metros quadrados . Em 1970, a gente dividiu as quatro partes da barraca em seis. Ficou mais bonita”, relata. A terceira alteração foi em 1974, quando o então capitão da Marinha - a instituição responsável na época por gerir o comércio da praia -, orientou que refizessem a estrutura no formato redondo, a partir de coqueiro.

Em 1989, os barraqueiros encararam seu primeiro desafio enquanto categoria, quando a Marinha resolveu que os quiosques não poderiam mais ocupar a faixa de areia. “Criamos uma comissão no dia 2 de maio. A gente sentou e deu o nome de Associação dos Barraqueiros de Coco de Recife (ABCR)”, falou.

O grupo pressionou até conseguir uma reunião com representantes da Marinha e da Prefeitura do Recife, na qual souberam que o comércio seria movido para o calçadão. O novo desenho previa uma estrutura de tijolo e com uma placa de concreto que, segundo ele, ainda existe em alguns estabelecimentos.

“Desde então, é o mesmo quiosque do inaugurado em setembro de 90. Teve (sic) projetos de mudança de roupagem, mas eles vêm sendo realizados no mesmo corpo”, afirmou. “Dentro dessa sequência, Boa Viagem não evoluiu. Para mim, como pessoa e como empreendedor da orla, ela poderia estar melhor”, critica.

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Entre as principais reclamações dos barraqueiros, estão as queixas sobre precariedade e falta de segurança. Sobretudo na pandemia, que fechou os comércios por quatros meses, os quiosques sofreram com vandalismo e furtos. "Fui alvo de estragos. Fiz um investimento em torno de R$ 5 mil para dar segurança ao meu quiosque, com câmera e outros materiais", fala.

Depois de anos pleiteando, a categoria enfim avançou na tentativa de conseguir uma nova reforma dos quiosques. Um projeto de revitalização idealizado pela ABCR corre na Prefeitura do Recife. Um termo de cooperação foi assinado para viabilizar a obra. Nessa segunda-feira (25), as duas partes voltaram a se reunir para discutir o projeto. A ideia é que o município aprove o desenho e que a associação encontre um parceiro privado para financiar as obras.

Zezinho espera a conclusão para comemorar. “Eu sou daquele que só digo que está certo na hora que eu vejo”, comenta.

Legado e futuro

Hoje, ele é um dos mais antigos comerciantes da orla. Dos sete filhos que teve - Flávia, Aline, Fábio, Ana Paula, Rogério e Tomé -, quatro seguiram o ofício do pai. A profissão também foi passada para o irmão, a ex-mulher, uma nora e uma ex-cunhada, além de um falecido sobrinho. Todos têm ou tiveram o próprio quiosque. “Eu fui o mentor porque Deus determinou tudo isso. Ele é o único que determina”, pontua.

Prestes a celebrar 72 anos, em 15 de setembro, Zezinho se prepara para uma nova edição da vida. “Vou estudar. Vou investir na minha história”, afirma com convicção. 

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