Se o conhecimento pode ser usado como instrumento de transformação e crescimento pessoal e profissional, a estudante Frankcilenia Maria da Silva, de 42 anos, popularmente conhecida como Cachinho, é um exemplo de que a máxima é verdadeira. Técnica de enfermagem, profissional de educação física especialista em reabilitação cardíaca, em breve será fisioterapeuta. Para o futuro, o plano é não parar, já que pretende cursar também Nutrição. Nascida e criada em Brasília Teimosa, na Zona Sul do Recife, a história de luta do bairro se mistura, muitas vezes, com a sua própria trajetória e resistência.
Filha de um vigilante e de uma cozinheira, Cachinho sempre teve o sonho de fazer uma graduação. Incentivada por sua mãe, ela deu início ao curso de Educação Física, em 2003, mas o caminho a ser percorrido até a formatura, em 2011, envolveu muitas idas e vindas. "Demorei um pouco para me formar porque não tinha como. Minha mãe levou uma pancada de um caminhão e depois disso não teve mais saúde. Era ela quem me ajudava, então tive que parar, muitas vezes, para cuidar dela", relata. A estudante conta que, no início da graduação, ela e a mãe catavam materiais reciclados para vender e pagar as mensalidades.
Com o adoecimento da mãe, Cachinho ficou sem alternativa. "Eu tive que aprender outra coisa. Comecei a fazer sanduíche natural, trufa, picolé, para vender na faculdade e no bairro. E minha mãe, mesmo na cadeira de rodas, me ajudava, assim como meus amigos. Até para eu estudar era complicado, não tinha computador, celular, nada", comentou. Devido à falta de recursos para pegar um transporte, a profissional de educação física lembra das diversas vezes em que teve que ir à faculdade a pé, percorrendo uma distância de mais de seis quilômetros.
"Eu ia feliz da vida, porque estava indo estudar. Quando me formei e comecei a trabalhar, lembro de ter parado para comprar um sanduíche que eu sempre quis, sem ter que pensar no dinheiro. Chorei tanto", recorda Frankcilenia. Foi ao ver as dores e o adoecimento da mãe que a estudante resolveu começar o curso de fisioterapia. "Tentei dar início em uma faculdade, porque tinha desconto, mas não estava conseguindo conciliar porque tinha que levar minha mãe para o médico. Acabei acumulando dívidas e tive que parar", explica. Cachinho então passou a se dedicar aos cuidados com sua mãe, que faleceu em 2016, em decorrência de um choque séptico.
Foi apenas em 2018, com auxílio de colegas e professores, que Cachinho conseguiu dar início ao sonho de ser fisioterapeuta. Hoje, no sexto período, ela sonha em se formar e abrir uma clínica em Brasília Teimosa, onde possa se dedicar a atender, pelo menos um dia na semana, pessoas que não têm condições financeiras de custear o tratamento. "Eu estou seguindo os sonhos da minha mãe. Foi que ela mais pediu. O sonho dela era sempre cuidar das pessoas, e foi justamente o que ela fez durante os anos em que trabalhou na creche daqui do bairro", relata.
Atualmente, além de estudar, Cachinho trabalha como personal trainer, massoterapeuta e dá aulas de hidroginástica em Brasília Teimosa. "Ser mulher, ser negra e nordestina é uma guerra. Mas tudo depende da forma como você enxerga. Meu pai não sabe ler, mas me deu a melhor educação do mundo, que foi carinho e estudo, junto com minha mãe. Agora quero trabalhar para ter minha autonomia e sempre estar me aprimorando, aprendendo, fazendo cursos e ajudando as pessoas".
No dia do profissional de educação física, comemorado na última terça-feira (1°), a história de vida de Cachinho ganhou as redes sociais. O responsável por dar visibilidade à trajetória da estudante foi o pedagogo Iggor Pedersoly, de 31 anos. Administrador do perfil @tioiggor, criado no mês de junho, ele também é morador do bairro de Brasília Teimosa, e conheceu Cachinho quando ela foi sua personal trainer.
"Cachinho é uma personagem da comunidade, é muito popular. Recentemente comecei a postar uma homenagem aos profissionais em seu dia e a história dela me comoveu demais. Eu a conhecia, mas não sabia de sua história", explica Iggor, que tem mais de 11 mil seguidores. O post sobre a vida de Frankcilenia teve mais de 360 curtidas. Nos comentários, a palavra "guerreira" é utilizada por diversas pessoas para caracterizar Cachinho. "Eu não sabia que ia ter essa repercussão. A gente não espera essas coisas, elas simplesmente acontecem. Muitas pessoas me procuraram, dizendo que não sabiam da minha trajetória. Uma pessoa, inclusive, se propôs a pagar um curso que eu queria muito fazer", diz Cachinho.
Assim como ela, Iggor também tem a intenção de ajudar a comunidade com a página no Instagram, criada para compartilhar notícias sobre o bairro. "Eu já tinha o perfil, que era pessoal. Durante a pandemia, eu percebi que muita gente estava presa, lamentando. Dessa forma, eu fiquei esperançoso de contar essas histórias e atingir os jovens, porque são pessoas que se superaram. Mostrar que na comunidade tem profissionais para que eles vejam o exemplo e não desistam, continuem a lutar mesmo nesse período de tanta turbulência", acrescenta.