Atraso

Mesmo com lei e projetos, fiação embutida ainda é desafio no Recife

Aprovada em 2014, a lei municipal 17.984 prevê que empresas públicas e privadas que operam fiação elétrica ou de telecomunicações são obrigadas a "embutir no subsolo todo o cabeamento ora existente"

Mayra Cavalcanti
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Mayra Cavalcanti
Publicado em 23/10/2020 às 13:29 | Atualizado em 23/10/2020 às 13:38
YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM
Emaranhado de fios nas ruas de Recife é cena comum - FOTO: YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM

Olhar para uma rua do Recife e não encontrar fios pode ser considerado um desafio. Nos postes, emaranhados, caídos, pendurados. São diversas modalidades que, juntas, causam poluição visual e representam perigo. Mas não era para ser assim. Aprovada em 2014, a lei municipal 17.984 prevê que empresas públicas e privadas que operam fiação elétrica ou de telecomunicações são obrigadas a “embutir no subsolo todo o cabeamento ora existente”. Além do que foi sancionado parcialmente pelo prefeito Geraldo Julio, com veto no artigo 2º, que estipulava o prazo de dois anos para que as mudanças começassem a ser implementadas, projetos chegaram a ser desenvolvidos e executados pela gestão municipal, mas não foram concluídos.

No mesmo ano em que a lei 17.984 foi sancionada, um projeto piloto foi anunciado e previa que o embutimento da fiação em 16 ruas do Centro do Recife, a um custo de R$ 4 milhões, com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal. As vias contempladas seriam dos bairros de São José e Santo Antônio, entre elas, a Rua do Imperador, a das Calçadas e a Avenida Nossa Senhora do Carmo. O projeto, no entanto, não foi para frente, mesmo após a regulamentação da lei, através do decreto nº 29.335, de 2015. Basta um passeio rápido pelas ruas do bairro que é possível perceber a quantidade de fios que pairam sobre a cabeça dos pedestres.

O professor do curso de engenharia elétrica-eletrotécnica da Universidade de Pernambuco (UPE) Antônio Gonçalves explica que existem várias vantagens no embutimento da fiação. Entre elas, a diminuição do risco de choque elétrico, da poluição visual, da frequência na poda das árvores e dos transtornos que ocorrem quando um poste cai. "Nas ruas do Recife, é uma verdadeira confusão e quantidade de fios. Qualquer acidente de veículo em um poste é um desespero porque derruba, falta energia em uma área enorme. Com a fiação subterrânea, eliminaria completamente isto", relata. O processo inclui a retirada dos fios que estão na fiação aérea, como acontece atualmente, e fazer uma instalação subterrânea.

Para que isto aconteça com segurança, é preciso que os cabos estejam envoltos em um duto, que os protege contra chuva, sol e peso. De acordo com Antônio Gonçalves, a desvantagem do embutimento da fiação é o custo. "No caso do Recife, o que encarece mais é que é uma cidade baixa, o solo é formado pelos antigos mangues, então, tem que ser feito de uma forma que não entre água. Torna-se caro, mas não tem como voltar atrás. Esse é o caminho que tem que seguir", comenta. O professor diz algumas regiões da capital contam com a parte da iluminação já subterrânea, como é o caso da Avenida Agamenon Magalhães e outras grandes avenidas.

"Na Agamenon, os postes são bem feitos, com a iluminação toda embutida. Mas a paralela da Agamenon já é horrível. Além dos fios esticados, tem os que sobram e ficam amontoados. Toda aquela visão é horrível e perigosa", declara o professor, que acrescenta que, com a fiação subterrânea, há uma redução em cerca de 98% nos riscos de choque elétrico. "Só tem acesso o pessoal em serviço, que desce para fazer a revisão e a manutenção. É um sistema seguro e ainda evita que tenha roubo. Atualmente as pessoas roubam os fios e vendem", acrescenta.

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Emaranhado de fios nas ruas de Recife é cena comum - YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM
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A Ponte Maurício de Nassau, no Centro do Recife, é uma das que continuam com a fiação aérea - YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM
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Leonardo Antônio, 47 anos, gerente. Emaranhado de fios nas ruas de Recife é cena comum - YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM
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Flávio Oliveia, 5 anos, comerciante. Emaranhado de fios nas ruas de Recife é cena comum - YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM
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Emaranhado de fios nas ruas de Recife é cena comum - YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM
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A reportagem se deparou com um ninho de passarinho na fiação em frente à Torre Malakoff, no Centro do Recife - YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM
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Na pista local da Avenida Agamenon Magalhães, diferentemente da área central, é possível ver diversos fios - YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM
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O Paço do Frevo é outro exemplo de local no Recife que conta com a fiação subterrânea - YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM
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De um lado, na Avenida Agamenon Magalhães, a fiação de iluminação é embutida e a paisagem não tem fio - YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM

A reportagem deu um giro em alguns bairros do Centro e área central do Recife. No percurso, foram encontrados alguns locais em que a fiação é embutida. Na Agamenon Magalhães, como citou o professor da UPE, na parte central da via, o cabeamento não é visível, porém, na pista local, o emaranhado de fios se faz presente, inclusive com alguns caídos. Na Praça do Arsenal e adjacências, a paisagem é diversa. Na Rua da Guia, por exemplo, a fiação é aérea e confusa. O mesmo acontece em frente à Torre Malakoff, onde foi encontrado um ninho de passarinho entre os cabos pendurados. Já na calçada do Paço do Frevo e da Rua do Bom Jesus, paisagem limpa de fios, já que nos locais, houve o embutimento.

Há 33 anos comerciante na Rua da Guia, Flávio Oliveira, de 52 anos, acredita que seria importante que o projeto de embutir os fios fosse para frente. “Eu acho que ficaria mais bonito. Esses fios expostos são muito perigosos, é um em cima do outro. Vejo muita gente olhando, até os turistas. Se você vier na Rua da Guia e comparar com a Bom Jesus, lá é bem mais bonito”, conta. Leonardo Antônio, de 47 anos, é gerente em um restaurante da rua. Ele diz que a prefeitura chegou a iniciar o projeto, mas não finalizou. “O turista quando chega aqui, se ele olhar, fica com medo que haja uma queda dos fios. É horrível e ainda corre o risco de cair em um cliente”, completa.

O que dizem a Prefeitura do Recife e a Celpe?

A Prefeitura do Recife se pronunciou sobre o assunto através de uma nota. Nela, a gestão ressalta as obras que incluíram a colocação de cabeamento subterrâneo de iluminação realizadas na Avenida Norte (31,2 quilômetros de fiação embutida), Boa Viagem, Conde da Boa Vista (iluminação central) e Rio Branco (do Marco Zero à Ponte Buarque de Macedo). Sobre o projeto de embutir a fiação do Centro do Recife, a assessoria da Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb) afirma estar em fase de conclusão o projeto executivo, feito pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Recife, que trata sobre o tema.

A gestão, no entanto, não justificou o atraso no projeto. "Em concordância e parceria com a Celpe e com outras secretarias da gestão, como a de Turismo, Esportes e Lazer, o projeto tem como objetivo atrair pessoas, negócios e tecnologias e vai ampliar o potencial econômico e turístico do bairro. O projeto não apenas fará o embutimento da fiação elétrica e de telecomunicações. Ele representará uma verdadeira modernização do bairro", diz a nota. Por fim, a prefeitura diz que a proposta está em fase final de avaliação e aprovação.

A reportagem também procurou a Companhia Energética de Pernambuco (Celpe) para falar sobre o tema. O órgão declarou que o projeto executivo para o embutimento da fiação do Recife Antigo está sendo rediscutido, "uma vez que alterações na proposta de requalificação modificaram o escopo e especificações da obra propostos inicialmente". Na nota, a Celpe comenta que o projeto urbanístico exige novas discussões entre poder público e empresas privadas detentoras de infraestrutura como postes e rede. "Por uma questão de ordenamento urbano e competência institucional, projetos de fiações subterrâneas devem ser liderados pelo poder público para obter efetividade".

A Celpe explica que a substituição da fiação aérea exige mapeamento do solo da cidade para que sejam feitas escavações de calçadas e vias públicas. "Além de estarem em consonância com a legislação federal que regula o setor elétrico, os projetos a serem colocados em prática devem envolver, necessariamente, contribuições das instituições públicas e de empresas concessionárias de serviços de telefonia, telecomunicações, entre outros", finaliza.

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