Sem adesão de hotéis, programa de João Campos para moradores de rua do Recife começa hospedando apenas 16 pessoas
Edital previa inicialmente o preenchimento de 200 vagas em hotéis e pousadas espalhados pela cidade, ao custo de até R$ 100 a diária
Sem adesão de hotéis e pousadas, o programa Recife Acolhe, anunciado pelo prefeito João Campos (PSB) como medida para atender moradores em situação de rua na capital pernambucana, começa sem previsão de quando vai atingir a meta prometida. Inicialmente esperava-se atender 200 pessoas, mas a primeira leva de moradores de rua a serem hospedados é de um total de apenas 16. Só um empreendimento, que atualmente funciona como casa de apoio para o Transporte Fora de Domicílio (TFD) de pacientes do interior, atendeu ao edital para viabilizar quartos à população em situação de rua.
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Com uma população em situação de rua estimada em 1,6 mil pessoas (número de 2019, que ainda não leva em conta os efeitos da crise gerada pela pandemia da covid-19), a prefeitura do Recife começou nesta quinta-feira (28) a acomodar essa parcela da população em quartos com diárias custeadas. O único local habilitado, conforme os critérios do edital, foi o Pousada Solar do Lazer, na rua Bernardo Guimarães, em Santo Amaro, que dispõe de 250 leitos. Desse total, 120 foram disponibilizados pelo empreendimento para atender ao programa. Entretanto, a prefeitura só tem certeza da ocupação de 58 deles. Hoje, apenas 16 pessoas foram abrigadas.
"É uma modelagem de hospedagem. Nós aqui temos 58 vagas garantidas. Começamos hoje acolhendo por etapas, para acolher bem e ir testando o serviço. Aqui tem uma equipe psicossocial, que vai acompanhar cada acolhido. Entregamos kit de higiene pessoal a cada um, com shampoo, desodorante, o que precisa para higiene pessoal. E a pousada tem cama, lençol travesseiro", explica a secretária de Desenvolvimento Social, Juventude, Políticas Sobre Drogas e Direitos Humanos, Ana Rita Suassuna.
Diferente de como foi anunciado pelo prefeito João Campos, o projeto funciona como uma moradia provisória, acolhendo as pessoas durante 24h, e não no modelo de hospedagem. As diárias de R$ 100 cobrem além da dormida, serviços de refeição três vezes ao dia e dois lanches.
Para quem ganhou um abrigo, a solução veio em boa hora. Já que as ruas estão ainda mais difíceis com o advento da pandemia. "Eu moro nas ruas há mais de dois anos, em função do alcoolismo. Há dez meses estava indo para abrigo noturno e saia durante o dia pedindo para comer. Na pandemia, estava mais difícil. O pessoal com medo da doença, pensando que a gente ia transmitir a doença, estava muito mais difícil conseguir sobreviver. Só em dormir numa caminho quentinha, ter sanitário, um almoço, lanche, muda muita coisa". desabafa Genivan da Silva, 64 anos.
Aberto desde o dia 26 de julho, o edital para que hotéis e pousadas demonstrassem interesse em participar do programa teve apenas dois interessados. Um deles teve problemas com as documentações apresentadas. Já o segundo, é o Solar do Lazer.
A prefeitura ocupa no estabelecimento um andar, totalmente reformado. São quatro quartos, três para homens e dois para mulheres, com camas do tipo beliche dispostas. "Foram habilitadas 120 vagas. Estamos aguardando a arrumação dos demais quartos. Ele pode habilitar mais vagas aqui ou outros podem se inscrever, o edital segue aberto até o fim do ano. A diária por cada pessoa acolhida, de R$ 100, permanece nesse valor", reforça Suassuna.
Das 1,6 mil pessoas em situação de rua. A PCR estima que 400 já estão em abrigos já oferecidos pela prefeitura. A abertura das vagas nas pousadas deve movimentar as vagas de abrigos noturnos, por exemplo, proporcionando novos acolhimentos.
Atualmente, o Recife dispõe de 15 casas de acolhimento institucionais, incluindo o Abrigo Noturno Irmã Dulce, que acolhe 100 pessoas todas as noites e o Abrigo Emergencial, que acolhe famílias que ficaram sem moradia devido a alguma situação de calamidade pública. No último ano, de acordo com a gestão, mais três espaços foram abertos, ampliando a rede de acolhimento em mais de 48%.
De acordo com o proprietário do Solar, Marconi Ferraz, o empreendimento há 18 anos atende a prefeituras com hospedagem e alimentação para pacientes de TFD. "Atendemos pacientes de média e alta complexidade. Pessoas que vêm do interior. Não atendíamos turistas. Você nem vê placa fora. A gente trabalha com demanda contratual com as prefeituras. Atendendo a processos de licitação", esclarece.
Ferraz se vê satisfeito com o valor pago em diária pela prefeitura, já que passou a ser um aditivo importante na receita do Solar do Lazer, mas espera um aditivo contratual em função da alta dos custos. "A gente está vendo que os preços estão andando. Se for o caso, a gente entender e a prefeitura, com os preços continuando com esses reajustes, é possível que possamos fazer um aditivo. Por enquanto, está sendo viável", diz.
De acordo com ele, a realidade do empreendimento atualmente é de capacidade ociosa, já que as viagens para atendimento TFD diminuíram em função da pandemia, mesmo com a ocupação que será registrada agora e custeada pela prefeitura.
Quando lançado pelo prefeito João Campos, o programa foi criticado pela Associação Brasileira da Indústria de Hotéis em Pernambuco (Abih-PE), que previu a não aderência dos empreendimentos hoteleiros da cidade, sugerindo outras alternativas como a adoção de casas de passagem. Situação que passou a ser adotada no caso do Solar.
De acordo com a prefeitura o custo estimado de R$ 3,6 milhões para o programa segue mantido. E as obras feitas no empreendimento para proporcionar o acolhimento dos novos moradores foram custeadas pela própria inciativa privada.
COMO FUNCIONA O PROGRAMA:
Pelo edital de credenciamento, o programa Recife Acolhe credencia pessoas jurídicas interessadas na prestação de serviços de hospedagem em rede de hotelaria, hospedagem ou hotel. O investimento da prefeitura do Recife para a viabilização do programa é de R$ 3,6 milhões por 200 vagas pelo período de três meses, podendo ser prorrogado.
O valor máximo estimado para cada diária é de R$ 100 e o pagamento será feito em até 30 dias após a data de recebimento da nota fiscal.
Os hóspedes ficarão acomodados em cômodos individuais ou compartilhados, mas neste segundo caso sendo garantido o distanciamento social de pelo menos um metro entre as camas. A diária vai das 14h até o dia seguinte às 12h.
Ficará a cargo dos estabelecimentos oferecer no local cinco refeições diárias, com produção própria ou terceirizada. São elas o café da manhã (das 7h30 às 10h e com café leite, pão e manteiga); almoço (das 12h às 14h, com proteína animal, carboidrato, salada de folhas ou de legumes e uma fruta); lanche da tarde (das 16h às 17h com leite, café ou chocolate, biscoito e uma fruta; jantar (mesmo padrão de cardápio do almoço) e lanche da noite (das 21h30 as 22h30 com chá e biscoito).
Os locais de hospedagem também devem garantir a limpeza semanal dos quartos ou em intervalo inferior, dependendo da necessidade, oferecer sistema de ventilação e equipamento de televisão aberta, e garantia de condições mínimas de segurança e acessibilidade. Para cada cômodo, deve ser disponibilizada uma garrafa de um litro e meio de água por hóspede e fornecimento permanente de água potável na áreas comuns para o consumo durante as refeições.