URBANISMO

Esquecidas, importantes praças públicas do Recife perdem principal função social

A reportagem do JC visitou algumas praças da capital pernambucana nessa semana. Umas sofrem com falta de manutenção, outras com falta de público

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Katarina Moraes

Publicado em 03/01/2022 às 8:00 | Atualizado em 03/01/2022 às 9:24
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Com cerca de 660 espalhadas pelos quatro cantos, Recife é conhecida como uma “cidade de praças”. Esses equipamentos, além de promoverem a prática de esportes e lazer, são essenciais nas áreas urbanas por colaborarem para o espírito de comunidade nos bairros, aproximar os moradores e proporcionar atividades conjuntas e a sensação de bem-estar. Mas com a pandemia da covid-19 e aumento da insegurança na capital pernambucana, nos últimos tempos grande parte desses espaços têm sido esvaziados. E, numa relação de causa e consequência mútua, com a diminuição das pessoas nelas, aumentam a depredação, o descuido e a falta de cobrança ao poder público por manutenção.

A reportagem do JC visitou algumas praças da capital pernambucana. Há alguns problemas em comum, como o descuido com os jardins, que estão com vegetações secas, além de pichações, bancos quebrados e a falta de equipamentos de ginástica. Na principal na Zona Sul, a de Boa Viagem, por exemplo, um forte ponto de comércio, a principal queixa dos vendedores é a falta de um banheiro público - que deverá ser entregue junto a novos boxes de artesanato, iluminação e piso em revitalização prometida para 2022.

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Pracinha de Boa Viagem, no Recife, tem projeto de revitalização prometido - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Mara Regina Costa, comerciante da Pracinha de Boa Viagem, está otimista com o projeto de revitalização do espaço - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Pracinha de Boa Viagem, no Recife, tem projeto de revitalização prometido - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

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A Praça Maciel Pinheiro, no bairro da Boa Vista, Centro, escancara as chagas socioeconômicas que o Brasil vêm enfrentando. Por todos os lados, há roupas estendidas, cujos donos são pessoas em situação de rua que utilizam a praça como ponto de dormida, e lixo pelo chão, além de bancos quebrados. “Essa praça aqui já foi muito movimentada e bem frequentada. Os estudantes das escolas vinham muito. Antigamente, havia um hotel de luxo bem na frente, onde ficavam hospedadas as pessoas famosas. Agora a conservação está precária”, contou o aposentado Dermevaldo Cavalcanti, de 74 anos.

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Situação da Praça Maciel Pinheiro, na Boa Vista, Centro do Recife - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Dermevaldo Cavalcanti Sobral diz sentir falta dos tempos em que a Praça Maciel Pinheiro era bem conservada - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Situação da Praça Maciel Pinheiro, na Boa Vista, Centro do Recife - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Situação da Praça Maciel Pinheiro, na Boa Vista, Centro do Recife - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

Na da República, em Santo Antônio, o problema já é outro. Apesar de bem conservada, não é frequentada - e perde a principal função de socialização. É difícil encontrar um portão aberto mesmo nos dias em que não há protesto no Palácio do Campo das Princesas. E, por isso, também achar pessoas utilizando-a. Um dos únicos no local no dia da visita do JC, o comerciante Gervânio da Silva, 49, disse sempre ir ao espaço no horário de almoço do trabalho contemplar as ruas ao redor. “Gosto de vir aqui porque tem muita sombra e é tranquila. Vejo sempre viaturas passando. Mas quando tem protesto eles fecham tudo e precisamos sair”, afirmou.

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Apesar de bem conservada, a Praça da República mal é frequentada - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Praça de Casa Forte - Situação em que se encontram algumas praças da Região Metropolitana de Recife. - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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VAZIA Apesar de conservada, a Praça da República, em frente à sede do governo estadual, é pouco frequentada - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Apesar de bem conservada, a Praça da República mal é frequentada - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Gervânio da Silva vai à Praça da República nos horários de almoço do trabalho - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

Por estar situada em um ponto central para passagem de transporte público, a Praça do Derby é bastante utilizada. Mesmo assim, o casal Messias Avelino, 45, e Maria José da Paz, 56, que estavam em um dos bancos, disseram sentir falta dos tempos em que o equipamento era um forte espaço cultural. “Era ótimo quando tinha peixes para a gente ver, shows e apresentações. Hoje está muito parado”, disse Messias. Na da Avenida do Forte, na Zona Oeste da cidade.

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Messias Avelino e Maria José da Paz lembram de quando a Praça do Derby era um forte espaço de expressão artística - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Praça do Derby, no Recife - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Praça do Derby, no Recife - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Praça do Derby, no Recife - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

Já na Praça do Entroncamento, nas Graças, Zona Norte, usada diariamente por entregadores de aplicativo, os brinquedos estão velhos e precisando de manutenção. “Não gostei muito do espaço. O cheiro de xixi é forte, e tenho uma sensação de insegurança aqui”, disse a dona de casa Almira Ferreira, 46, ao visitar o local com a filha. Embora a praça seja uma das 15 que foram alvo de trabalhos do paisagista Burle Marx em sua passagem pelo Recife, a vegetação também sofre com a falta de cuidados.

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Almira Ferreira e a filha, Maria, na Praça do Entroncamento - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Situação da Praça do Entroncamento, nas Graças, Zona Norte do Recife - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Situação da Praça do Entroncamento, nas Graças, Zona Norte do Recife - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Situação da Praça do Entroncamento, nas Graças, Zona Norte do Recife - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

“Acho que a pandemia fez isso, as pessoas ficaram mais amedrontadas e recolhidas. A praça é sempre muito vivida aqui na cidade. A pandemia também trouxe mais pessoas sem teto para as praças", analisou a arquiteta, urbanista e professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Ana Rita Sá Carneiro, que defendeu: "as pessoas precisam de espaços para conviver, para ver e ser visto. Precisam de convivência com a natureza. E as praças são um relevante espaço de vitalidade e de sociabilidade”.

Visando recuperar os espaços verdes e melhorar a qualidade de vida da população, a Prefeitura do Recife encabeça há mais de 20 anos o programa “Adote o Verde”. Nele, empresas interessadas cuidam de jardins, canteiros, praças e parques em troca da possibilidade de colocar peças publicitárias nas áreas. Faz parte do programa, por exemplo, uma das praças mais famosas da cidade: a de Casa Forte, no bairro de mesmo nome, na Zona Norte. Mesmo assim, para Ana Rita, o equipamento ainda apresenta um grau de conservação “de regular para ruim”, e isso acontece porque nem só de investimento ou de manutenção se vive uma praça: ela precisa também dos cuidados da própria população.

Por nota, a Prefeitura do Recife, por meio da Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb), afirmou investir cerca de R$ 5 milhões por ano com manutenção e conservação desses espaços, além de R$ 2 milhões para reparos e consertos causados por depredação ao patrimônio público da cidade como um todo. Sobre as praças citadas na reportagem, esclareceu que "mantém equipes fixas e volantes que realizam ações de limpeza e programam a manutenção e os reparos nesses espaços, mas muitas vezes o vandalismo e a poluição dessas áreas são bastante frequentes, depredando e sujando o patrimônio público e causando prejuízos para a população."

Atualmente, estão recebendo melhorias as praças Campo Santo (Santo Amaro); Queira Deus (Tejipió); Quatro de Outubro (Areias); Mano Marlon Lins (Várzea); Áureo Xavier (Cordeiro); praça do Chié (Santo Amaro); Praça Raízes (Cohab); as quadras de Tênis da orla de Boa Viagem e a Pracinha de Boa Viagem, sob a responsabilidade da Secretaria de Turismo e Lazer de Pernambuco.

QUANDO A POPULAÇÃO COMPRA A BRIGA

A vizinhança de San Martin, na Zona Oeste, entendeu essa necessidade há cerca de 4 anos. Quando se viram reféns da violência, os moradores formaram uma associação que transformou quatro espaços verdes da região em equipamentos coloridos e vivos - um deles, um lixão que hoje é uma quadra - por meio de um trabalho conjunto com a gestão municipal. Além dos assaltos terem diminuído consideravelmente, a comunidade agora se conhece pelo nome, e cada um colabora do jeito que pode para manter os espaços públicos em funcionamento com feira orgânica, palestras e festas comemorativas.

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Praças de San Martin foram revitalizadas pela população - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Praças de San Martin foram revitalizadas pela população - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Praças de San Martin foram revitalizadas pela população - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Praças de San Martin foram revitalizadas pela população - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Praça de San Martin - Situação em que se encontram algumas praças da Região Metropolitana de Recife. - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

“Quando sentamos para decidir o que faríamos, uns diziam para fechar as ruas, colocar câmeras e contratar vigilantes. Mas entendemos que isso não seria suficiente. Descobrimos que os espaços precisavam ser ocupados, e o trabalho tem sido recompensador. Muitas pessoas nos relatam que saíram da depressão por terem se ocupado com a comunidade”, contou a historiadora Adriana Souto, 52, presidente da associação.

Por nota, a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SES-PE) informou que dados do Sistema Infopol de Pernambuco dão conta de que os registros de crimes de roubo, furto e dano ou depredação em logradouros, praças e parques públicos do Recife, vêm caindo desde 2017, quando foram registrados 32.587 boletins de ocorrência deste tipo de crime. Em 2018, foram 28.113 ocorrências; em 2019, 25.600 registros; e em 2020, 17.800 denúncias. De janeiro a outubro de 2021, as estatísticas criminais registraram 17.369 boletins de ocorrência.

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A moradora Adriana Souto é uma das responsáveis pelo projeto que transformou espaços públicos em San Martin - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

Ainda, a pasta disse que as forças de segurança trabalham para o bem-estar social nos espaços públicos, de lazer e de convivência em todo o estado de Pernambuco com "lançamento de policiamento ostensivo, seja a pé, motorizado ou montado, por meio dos batalhões de áreas ou unidades especializadas da Polícia Militar. Esse trabalho é realizado em conjunto com as guardas municipais, que são responsáveis pelo zelo do patrimônio público, e demais órgãos que operam na prevenção da violência e oferta de atividades de cultura, lazer e esporte."

Um outro caso de um espaço público bastante utilizado pela população é a Praça Tertuliano Feitosa, no Hipódromo. A vizinhança, basicamente formada por casas, dispõe de um equipamento completo: com academia de ginástica, brinquedos infantis e mesas para jogos; e o frequenta durante toda a semana. “A melhor praça da cidade é essa. Dá muita gente, principalmente à noite e nos finais de semana. Vem a criançada brincar, as famílias”, disse a ambulante Terezinha Julia, 60, que trabalha no local.

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Praça do Hipódromo - Situação em que se encontram algumas praças da Região Metropolitana de Recife. - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Praça do Hipódromo, na Zona Norte do Recife, é uma das mais bem conservadas da cidade - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Praça do Hipódromo, na Zona Norte do Recife, é uma das mais bem conservadas da cidade - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

A socióloga e especialista em segurança pública Edna Jatobá explicou que essa apropriação pelos espaços públicos é essencial para aumentar a circulação e promover a sensação de segurança nas cidades. “Uma coisa alimenta a outra: quanto mais abandono, mais violência, e vice-versa. Isso tem a ver com iluminação, com o cuidado com os espaços públicos e com o recolhimento de lixo. Por isso a necessidade do investimento massivo na recuperação desses espaços. A qualidade de vida é uma questão que o município deveria se preocupar mais em garantir”, afirmou.

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