URBANISMO

Apesar de necessária, construção da passarela da BR-101 no Recife fere parte de histórico jardim de Burle Marx

Urbanistas denunciam a falta de cuidado com o traçado do conjunto arquitetônico do edifício Sudene e do jardim de Burle Marx na execução da obra, que vem destruindo a vegetação de parte da praça

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Katarina Moraes

Publicado em 21/11/2021 às 8:00 | Atualizado em 21/11/2021 às 9:09
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Não há quem discorde que a nova passarela na BR-101, em construção após três anos de atraso, é essencial para a segurança de pedestres que se arriscam entre os veículos em frente ao Hospital das Clínicas, na Cidade Universitária, Zona Oeste do Recife. Entretanto, urbanistas denunciam que o planejamento dela desconsiderou a relevância de um dos 39 jardins históricos projetado pelo arquiteto paisagista internacionalmente renomado Roberto Burle Marx (1909 - 1994) na capital pernambucana, já que ele vem sendo parcialmente destruído para abrigar a rampa do equipamento.

Quem hoje vê as retroescavadeiras, buracos e estacas que estão retirando a vegetação que restou do jardim não imagina a importância histórica dele. Seus bosques, bancos e jardineiras foram pensados por Marx junto aos arquitetos Haruyoshi Ono e José Tabacow, como integrante do conjunto arquitetônico da antiga sede da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) - um patrimônio moderno construído em plena ditadura militar como símbolo do progresso da cidade.

“Sabemos que tem que ter uma passarela e uma rampa para as pessoas atravessarem. Mas ela precisa ser desenhada de um jeito que não implique na destruição de tanta vegetação e na descaracterização de um jardim que é uma obra de arte”, afirmou a arquiteta Ana Rita Sá Carneiro, que fez um amplo estudo sobre as obras do artista no Laboratório de Paisagem da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

No traçado original, Burle Marx projetou o jardim com 78 espécies vegetais que representavam a diversidade das paisagens do Brasil, e vários tipos de piso que destacavam o mosaico português branco que o emoldura. O desdém com este, todavia, vem de muito antes da construção da passarela. O espelho d'água não mais existe - deu lugar a um tapete de capim que cresce na bacia onde ele deveria estar. Os bancos estão danificados e os revestimentos alterados; assim como a vegetação prevista.

“O jardim da Sudene foi criado em denúncia ao desmatamento. Burle Marx dizia que o jardim tinha a função de salvaguardar espécies para que não entrassem em extinção. No projeto da passarela, macaibeiras e sombreiros estão previstos para serem retirados. Perder estes indivíduos é um dano ao patrimônio, porque são um registro histórico e a assinatura de um dos maiores paisagistas do mundo”, expôs o biólogo Joelmir Marques, da UFPE, que há 15 anos estuda as obras do paisagista.

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
Rampa que dará acesso à passarela que ligará o edifício da Sudene até o Hospital das Clínicas (HC), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ficará em parte de jardim de Burle Marx - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
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Rampa que dará acesso à passarela que ligará o edifício da Sudene até o Hospital das Clínicas (HC), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ficará em parte de jardim de Burle Marx - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
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SEM PRAZO Havia previsão de conclusão dos trabalhos em dezembro, mas não será possível por entraves relacionados à derrubada de árvores - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
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Rampa que dará acesso à passarela que ligará o edifício da Sudene até o Hospital das Clínicas (HC), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ficará em parte de jardim de Burle Marx - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
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Rampa que dará acesso à passarela que ligará o edifício da Sudene até o Hospital das Clínicas (HC), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ficará em parte de jardim de Burle Marx - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
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SEGURANÇA Nova passarela vai garantir que os pedestres não se arrisquem pela rodovia, diminuindo o perigo de atropelamentos - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
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Rampa que dará acesso à passarela que ligará o edifício da Sudene até o Hospital das Clínicas (HC), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ficará em parte de jardim de Burle Marx - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

A tendência de descaracterização com os jardins do paisagista está presente na maioria dos que estão no Recife. “Temos os primeiros jardins públicos da vida de Burle Marx, dos quais seis foram tombados pelo Iphan em 2017, mas há muito mais obras que isso. Existe a falta de cuidado, como com a Praça Salgado Filho, mas a culpa não é só da prefeitura. É preciso um trabalho que crie uma consciência patrimonial na população”, defendeu a arquiteta Ana Rita.

Situado na Cidade Universitária, o local onde a passarela é construída tem um alto fluxo de pedestres atravessando. Por ser uma rodovia, o intervalo entre os dois semáforos de trânsito é grande, obrigando a quem está a pé a aguardar até 15 minutos para ir do edifício da Sudene até a UFPE ou o Hospital das Clínicas (HC) e vice-versa. Assim, muitos preferem aguardar o momento em que o trânsito de carros diminui para se arriscar no sinal aberto. “Venho aqui semanalmente, e já vi muitos acidentes acontecerem. Tenho medo de atravessar, mas vou fazer o quê?”, perguntou um idoso que, antes mesmo da reportagem conseguir perguntar seu nome, atravessou correndo a avenida.

O engenheiro responsável, Rafael França, revelou não ter tido acesso a estudos urbanísticos da obra, mas avalia que o benefício dela supera as críticas. “Já tentamos fazer estudos para fazê-la entre as árvores, para ficar bem arborizado, mas infelizmente não tem como. Só nessa semana já houve dois atropelamentos enquanto a gente estava trabalhando. No projeto, tem uma contenção de gradil para proibir as pessoas de passarem. A passarela para o pessoal do hospital e os estudantes é de suma importância. Os benefícios que ela vai trazer tanto para a população, quanto para a mobilidade urbana, não vão ter custo”, disse.

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O engenheiro responsável, Rafael França, revelou não ter tido acesso a estudos urbanísticos da obra, mas avalia que o benefício dela supera as críticas - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

Desde 2017, o conjunto da Sudene faz parte do patrimônio da UFPE, que disse que as tratativas para construção da passarela foram iniciadas no ano de 2011, quando o edifício ainda estava sob a gestão da Superintendência do Patrimônio da União (SPU). "Sobre a passarela, o equipamento tem o objetivo de atender a demanda do Ministério Público de mobilidade e acessibilidade dos usuários do HC e da comunidade em geral. Ela está sendo implantada em área localizada dentro dos domínios do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). O próprio DNIT deixou de executar a construção de passarelas com elevadores, alegando motivos de segurança. Quanto à área verde, as árvores serão oportunamente realocadas após liberação da licença da Secretaria do Meio Ambiente."

Atraso na obra

Anteriormente, uma passarela de ferro foi destruída na BR-101 pela falta de manutenção do poder público. Mas pelo risco, a construção de uma nova foi determinada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) ao Departamento de Estradas e Rodagens de Pernambuco (DER-PE), órgão responsável por sua execução. O prazo de entrega seria em dezembro de 2021, todavia, ao visitar o local a menos de dois meses da data final, a reportagem percebeu que apenas um dos pilares da passarela estava em construção.

De acordo com o engenheiro, a falta de autorização para a derrubada de quatro árvores na área do jardim irá atrasar a entrega - e não se sabe quanto tempo. As árvores precisam ser suprimidas para podermos executar a estrutura da passarela. Hoje, o que impede a execução, e o atraso que já está ocorrendo, é pela falta dessa supressão. Mudamos o planejamento da obra, mas vai chegar a hora que não vamos poder fazer mais nada, vamos ter que parar até essa questão ser definida. Com isso, o custo aumenta, porque a máquina bate-estaca, por exemplo, tem um custo para ser trazida e retirada. Não temos como fazer a previsão enquanto não tiver um posicionamento”, afirmou.

A Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) do Governo do Estado esclareceu que não liberou qualquer supressão da vegetação, apenas a Licença Prévia do empreendimento. A Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Recife disse não ter recebido qualquer solicitação para erradicação de árvores e que, no caso da construção da passarela, “as providências que envolvam licenciamento, autorizações, compensação ambiental e autuação não são de atribuição do município.”

Por nota, o DNIT disse que as pronunciações devem ser feitas pelo DER-PE, por ser o órgão responsável pela obra, que, por sua vez, absteve-se sobre as alegações da construção da passarela sobre o jardim, manteve o prazo previsto para entrega da obra e informou que as árvores que, porventura, vierem a ser podadas, serão "serão compensadas através do replantio em locais determinados e de acordo com as exigências do órgão ambiental", disse.

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