DIREITOS

Pernambuco tem mais de 9 mil imigrantes, mas falhas nas políticas de integração tornam o recomeço quase impossível

Há pelo menos 9.856 estrangeiros morando em Pernambuco. Mas faltam políticas públicas para integração deles na vida social e no mercado de trabalho

Katarina Moraes
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Katarina Moraes
Publicado em 27/02/2022 às 0:00 | Atualizado em 28/02/2022 às 11:49
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Angolano, Fernando Sabonete não consegue emprego no Brasil, mesmo tendo duas universidades e diversas pós-graduações - FOTO: BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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Pernambuco tem, hoje, a maior quantidade de imigrantes já registrada. No último ano, segundo a Polícia Federal, eram 9.856 estrangeiros morando no Estado - um número subnotificado por não contabilizar quem entra no país por vias irregulares; e mesmo com essa nova demanda, não há planos ou políticas robustas e vigentes nos municípios que viabilizem a integração dessas pessoas na vida social e no mercado de trabalho, tampouco assistência emergencial suficiente para dar conta do contingente, que está, em sua maioria, distribuído pelas cidades do Recife (4.251), Jaboatão dos Guararapes (1.180), Ipojuca (588), Olinda (488), Caruaru (444). Quando existem, está restrita a venezuelanos.

A capital pernambucana atende 100 imigrantes de famílias cubanas, peruanas e venezuelanas nos Centros de Referência em Assistência Social. Desses, sete famílias de venezuelanas indígenas Warao vivem em duas casas de acolhimento institucional. Jaboatão acolhe 13 famílias de imigrantes - nenhuma cadastrada no banco de dados de usuários da Assistência Social. Ipojuca diz que a demanda de estrangeiros não passa de duas ou três por ano. 

Já o governo de Pernambuco, por meio da Secretaria Executiva de Assistência Social, afirmou promover o acompanhamento, supervisão, assessoria técnica e articulação com outras políticas públicas, além de agir em parceria com os municípios e o Comitê Pernambucano dos Direitos das Pessoas em Situação de Migração, Refúgio e Apatridia em defesa dos estrangeiros. O estado apoia, também, o acolhimento de cerca de 100 imigrantes feito pela Cáritas Arquidiocesana de Olinda e Recife. 

Ainda assim, nas ruas do Recife, cartazes de venezuelanos pedindo esmolas passaram a fazer parte do cenário do trânsito da cidade. Essa tendência de alta na chegada de imigrantes vem acontecendo em todo o Brasil. Em 2001, eram apenas 5.849 estrangeiros no País, segundo dados da PF. Dez anos depois, em 2011, havia crescido para 27.339. Em 2021, atingiu seu ápice, 165.256 tinham o solo canarinho como lar. A maioria dos estrangeiros eram da Venezuela (101.873), Haiti (16.889) e da Colômbia (5.581).

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Venezuelanos são o grupo de imigrantes mais numeroso em Pernambuco - DAY SANTOS/JC IMAGEM

Percebendo a demanda, a Cáritas iniciou, em 2018, um programa de acolhimento a imigrantes venezuelanos vindos de Roraima ao Recife por meio da Operação Acolhida, do governo federal, segundo o assessor jurídico e de incidência política da organização, Daniel Lins. Inicialmente, era dado o apoio para aluguel em casas de passagem e para alimentação. Logo depois, foi criada a Casa de Direitos na Universidade Católica de Pernambuco. "Hoje não há esse recorte a venezuelanos. Prestamos um apoio a todos que estão em vulnerabilidade social que se encontram na Região Metropolitana. De lá para cá, também temos empreendido ações e projetos que pensam além da linha emergencial, buscando a inserção social deles." 

A Lei de Migração, sancionada pelo então presidente Michel Temer (MDB) em 2017, traz como diretrizes a inclusão social, laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas, a promoção e difusão de direitos, liberdades, garantias e obrigações do migrante e a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O texto ainda entende as migrações como um fenômeno da humanidade e não como consequências de um deslocamento forçado ou da migração puramente econômica, além de proibir distinções discricionárias entre brasileiros e estrangeiros.

Residente há 21 anos no Brasil, o angolano Fernando Sabonete, 61, é exemplo dessa falta de suporte. Com duas graduações, duas pós-graduações, um mestrado e atualmente aluno de doutorado na UFPE, ele não consegue um emprego. "Não quero trabalhar só na minha formação, faria qualquer coisa. Já pedi até emprego de serviços gerais, mas não consegui", contou ele, que está em atraso com a taxa de condomínio e o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). 

Para a cientista social Ana Carolina Gonçalves, uma das fundadoras do Núcleo Migra, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),  é urgente que as cidades se ''cosmopolitizem" para atender às diversidades. "Há o discurso de que o imigrante precisa se abrasileirar, perder suas características próprias, mas ele tem que continuar sendo o que é, nossas cidades que têm que mudar pois estão em um mundo onde migração é uma realidade." No último ano, o Recife instituiu as bases para a elaboração da Política Municipal de Promoção dos Direitos dos Migrantes e Refugiados - a primeira entre as cidades de Pernambuco.

O texto diz que a lei será elaborada com princípios de acolhida, igualdade de direitos e oportunidades, combate à xenofobia, promoção de direitos sociais e do direito ao trabalho decente, fomento à convivência familiar e comunitária, respeito à efetivação dos tratados internacionais e prevenção permanente a violações de direitos dos estrangeiros. Por nota, a gestão respondeu que o plano segue em construção junto à Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).

Preconceito racial é principal queixa

A conjuntura que engloba os imigrantes negros veio à tona após o congolês Moïse Kabagambe, 24, ser agredido até a morte ao cobrar o pagamento atrasado por dois dias que trabalhou em um quiosque na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. 

Ao saber o que aconteceu com Moïse, o também congolês Dozo Malemba, 25, foi alertado para "ter cuidado" por um amigo. "Ele morreu por um mal entendido. Isso pode acontecer com qualquer um de nós. A gente fica com aquele medo de não saber se você pode se abrir para alguém, porque por um pequeno desvio pode perder sua vida", disse o estudante de engenharia civil da UFPE que está no Brasil há cinco anos. Sentado no sofá do apartamento que divide com outros universitários, Dozo afirmou ter descoberto que era "preto" ao chegar no Brasil.

"Achei que o Brasil fosse um lugar com menos preconceito, mas quando vim me deparei com outra realidade. Em outros países em que já tive a oportunidade de visitar, eu nunca tive essa sensação de ser tratado diferentemente", contou. 

"Percebo que a pessoa segura a bolsa [contra o corpo] quando eu passo na rua ou muda de lado. Vou a um lugar, sento, e a pessoa se afasta um pouco. Na faculdade era bastante difícil achar um grupo de estudo. Tenho amigos brancos de fora do mesmo programa que eu que se integraram muito mais facilmente na vida acadêmica do que os que vieram da África", completou. 

Isso acontece porque, segundo a pesquisadora Sofia Cavalcanti Zanforlin, também do Migra, desde o governo Juscelino Kubitschek o Brasil tem um ideal de imigrante que não engloba os povos africanos. "A migração africana é invisibilizada. No Rio de Janeiro, existem fluxos periódicos a partir da guerra civil da Angola. Os pedidos de refúgio continuam acontecendo por causa dos congoleses, que vivem em guerra civil, e é claro perceber a divisão de enquadramento a partir de grupos. O enquadramento midiático que se dá ao imigrante branco e ao negro é diferente. O negro só aparece em papéis pejorativos."

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