Ocupação urbana

CHUVAS EM PERNAMBUCO: ocupação nos morros aumentou e programas de prevenção de riscos andaram para trás

Fortes chuvas que aconteceram em Pernambuco, e deixaram um triste saldo recorde de 128 mortes, alertam sobre a necessidade de reforçar os programas nos morros e evitar um retrocesso

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Adriana Guarda

Publicado em 03/06/2022 às 17:04 | Atualizado em 03/06/2022 às 20:43
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Ninguém mora em área de risco por escolha. A história da ocupação urbana do Recife mostra que foi a população endinheirada e o próprio governo quem "empurrou" as famílias mais pobres para as áreas de morros. A ideia era promover uma "limpeza estética" no Centro do Recife, eliminando os mocambos onde viviam famílias de baixa renda, disputando as áreas planas da cidade.

Os primeiros morros a serem ocupados, na década de 1940, foram Casa Amarela, Beberibe e Água Fria. Hoje, a capital pernambucana tem 67% da sua população vivendo em área de morros e o desafio de retomar programas que fizeram a diferença na gestão de risco; como o Guarda-Chuva, nos governos João Paulo-João da Costa (2001-2012) e o Parceria nos Morros, com Jarbas Vasconcelos (1986-1996). 

As duas iniciativas tiveram à frente profissionais de renome e estudiosos de áreas de risco, como o engenheiro Jaime Gusmão (falecido em 2013) e a geóloga Margareth Alheiros. Sob a coordenação dos dois, os programas Parceria nos Morros e Guarda-Chuva fizeram história com avanço da urbanização e queda no número de mortos e desalojados. 

A engenheira e mestre em desenvolvimento urbano, Edneia Alcantara, lembra que o Recife consolidou o trabalho de suas defesas civis a partir dessas gestões. "Foi o mestre Jaime que desenvolveu a concepção de tratar os morros como faixa, do topo até a base e que para tratar uma barreira não é suficiente conter as encostas, mas disciplinar as águas com drenagem, retaludamento, plantio de grama, para evitar que as águas infiltrem no maciço. Até a própria lona de plástico pode impedir as águas infiltrarem na barreira", observa. 

Na gestão de João Paulo, a discípula de Jaime Gusmão, Margareth Alheiros, tornou-se referência nacional em prevenção, treinamento e orientação à população sobre como viver nos morros. Nesta época o número de mortes caiu bastante, graças ao aperfeiçoamento e sistematização no tratamento das encostas e à adoção de medidas complementares como limpeza de galerias e canaletas nos morros e áreas planas. 

A tragédia das últimas chuvas em Pernambuco, com um número recorde de 128 mortos e 82 mil desalojados e desabrigados, acende o alerta sobre a necessidade de reforçar o trabalho nos morros. Sobretudo diante do alerta do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas da ONU, que aponta o Recife como a capital mais ameaçada pelo avanço do mar no Brasil e a 16a no mundo.  

BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Na foto: Prefeito do Recife João Campos. - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Edneia alerta para que não ocorra um retrocesso na questão dos morros, assim como aconteceu com o Brasil no caso da fome, que voltou ao Mapa Mundial da ONU depois de ter saído em 2014. "Hoje temos um prefeito engenheiro, que por ser muito jovem não estudou nem com Margareth Alheiros nem com Jaime Gusmão, mas deveria ter estudado sobre esses trabalhos de mestres que vieram antes dele e mostraram ao País como lidar com morros e alagados para minimizar os danos e riscos à população que mora nesses ambientes. O que aconteceu? Jogamos fora o legado de Jaime e Margareth? Nunca ocorreu tantas mortes nem tantos danos em toda a minha vida de engenheira, acompanhando de longe ou de perto ações em áreas de morros", afirma.

BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Na foto: Governador Paulo Câmara. - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

MORTOS 

A engenheira recorda que as gestões anteriores se preocupavam em evitar o número de mortes. "Os prefeitos faziam obras que evitassem mortes porque não queriam mortos na sua gestão. O atual prefeito João Campos voltou vários passos atrás. Ele tem agora que cuidar dos mortos", diz. Do total de 128 morto contrabilizado na tragégia das chuvas em Pernambuco, 60 são do Recife. O governo de Pernambuco anunciou que vai pagar um auxílio mensal de R$ 1,5 mil aos prejudicados pela chuva e um salário mínimo às famílias que perderam seus parentes.  

O auxílio às famílias atingidas pelo desastre vai custar R$ 120 milhões. Ou seja, proposrcionalmente, o dinheiro gasto na reparação das consequências será maior do que o investimeno anual de R$ 80,5 milhões feito pelo prefeito João Campos em ações de risco nos morros em 2021. Levantamento realizado pelo JC, em matéria da repórter Katarina Moraes, mostra que as gestões do PSB foram as que menos investiram nos morros. 

O prefeito João da Costa foi bastante criticado nas redes sociais por sua postura "bancando o repórter" quando apareceu nas comunidades para acompanhar o estrago provocado pelas chuvas. O que a população espera é investimento nos morros para que tragédias como a de maio de 2022 não se repitam nem fiquem marcadas na história.  

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