Últimos moradores de palafitas incendiadas no Pina se despedem sem perspectiva de mudança de vida
Aos poucos, espaço onde antes viviam dezenas de famílias é esvaziado. Grande parte delas usa auxílio-pecúnia do município para se mudar - mas não sabe até quando vai conseguir bancar moradia
Ventilador, colchões e caixas de papelão eram posicionados, na manhã desta quinta-feira (9), no barco que o pescador Luís Januário da Silva, de 52 anos, usa para trabalhar. Os filhos pequenos e a esposa iriam numa próxima viagem. Esta foi a última família moradora das palafitas a sair de comunidade no Pina, na Zona Sul do Recife, a que pegou fogo no último mês, em direção a uma nova vida — tão insegura quanto aquela.
Isso porque Luizinho, como é conhecido, partiu para uma casa em Brasília Teimosa cujo aluguel custa R$ 750. “Só para colocar meu barraco daqui de pé, eu gastei R$ 6,2 mil. Agora vou me virar pela graça de Deus para bancar um aluguel fora”, disse. Por enquanto, ele usará a parcela única de R$ 1,5 mil do auxílio-pecúnia e um auxílio-moradia mensal de R$ 300, desembolsados pela Prefeitura do Recife a 187 famílias afetadas pelo incêndio.
O incidente aconteceu em 6 de maio, deixando dezenas de barracos completamente destruídos na comunidade, que fica próxima à Avenida Antônio de Góes, nas proximidades da Ponte Paulo Guerra. No mesmo dia, a gestão municipal garantiu que assistiria os moradores com os valores emergenciais, além de dar uma indenização às 42 famílias que moravam em casas de alvenaria.
Pelos valores das indenizações ainda não terem sido depositados, algumas — poucas — casas de alvenaria permanecem com moradores. É o caso da marisqueira Mikeline Edilene do Nascimento, 29, que vive lá desde os 2 anos de idade. “Estamos passando por um sufoco aqui. Já não tem água, e a energia está para ser cortada. Estamos aqui nos arriscando porque não temos casa para alugar ainda”, contou ela.
Por nota, a gestão municipal disse que as indenizações, orçadas em laudos técnicos emitidos pela Autarquia de Urbanização do Recife (URB), devem começar a ser depositadas nesta sexta-feira (10). Ainda, que após o pagamento, essas moradias também serão demolidas e que as pessoas serão direcionadas para casas de parentes.
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Se aqueles corredores formados por tábuas velhas, emendadas e repletas de lixo já haviam sido transformados a partir do incêndio, agora, estavam irreconhecíveis para a reportagem do JC, que já esteve ali diversas vezes. No chão, pedaços de roupa, brinquedos e outras lembranças de histórias vividas em uma área de risco por aquelas famílias por tantos anos.
Na manhã desta quinta, caminhões da Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) também retiravam os entulhos deixados pelos antigos residentes, em uma operação iniciada na última quarta-feira (8).
O próximo passo, agora, é, junto aos antigos moradores, iniciar o projeto de construção de um espaço de convivência na localidade, que envolva economia criativa, educação, cultura e geração de emprego e renda, reforçando a vocação econômica pesqueira da área - que é a promessa da gestão municipal.
“A luta não acabou, só está iniciando. Temos a promessa de urbanizar o local, inserindo os antigos moradores nisso, com o projeto de revitalização do píer e a inclusão das marisqueiras. Queremos que seja um local de visitação, um ponto turístico para ver a paisagem do Recife, com venda de peixe frito, sururu. É isso que estamos cobrando”, disse o vice-presidente do Amigos do Pina, Valclécio Silva.
Isso porque a pesca é o sustento da maioria das pessoas que ali viviam, como Luís, que, agora, terá de vir, todos os dias, de Brasília Teimosa até o Pina. "Faz 28 anos que eu vivo da pesca. Lá não tem como pescar de jeito nenhum. Tem que vir trabalhar. Mas se fizer quiosques para venda de peixe, vou gostar", pontuou.