RELEMBRE

No Recife, grupos religiosos e políticos já tentaram impedir aborto legal de uma menina estuprada

Há pouco menos de dois anos, grupos intitulados como pró-vida protestaram contra a realização do procedimento legal em uma menina de 10 anos, que engravidou após sucessivos estupros praticados pelo tio

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Katarina Moraes

Publicado em 21/06/2022 às 15:17 | Atualizado em 21/06/2022 às 22:00
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O recente caso da criança de 11 anos que teve o direito ao aborto legal impedido em Santa Catarina, revelado nessa segunda-feira (20) pelo The Intercept Brasil e Portal Catarinas, relembrou quando o Recife foi cenário de um embate semelhante. No dia 16 de agosto de 2020, fundamentalistas religiosos protestaram contra a realização do procedimento, também permitido judicialmente, em uma menina de 10 anos que havia engravidado após sucessíveis estupros.

A criança era da cidade de São Mateus, no Norte do Espírito Santo, a 215 quilômetros de Vitória, mas foi transferida para o Recife após ter tido o atendimento negado na unidade de referência do Estado de origem. Ela era estuprada desde os seis anos pelo tio, um homem de 33 anos. Ele foi preso em Betim, Minas Gerais, e está recluso desde 18 de agosto de 2020. Exame de DNA confirmou o crime.

No dia da realização do aborto, a extremista de direita Sara Giromini publicou o nome da criança e o hospital onde ela estava internada nas redes sociais. Horas depois, religiosos, participantes do Movimento Pró-Vida de Pernambuco e políticos conservadores foram até a porta do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), na Encruzilhada, Zona Norte da capital pernambucana, para tentar impedi-lo.

JÔNATAS CAMPOS/ESPECIAL PARA O JC
Uma verdadeira multidão se aglomerou em frente ao Cisam. De um lado, defensores do direito de a menina realizar o aborto pela pouca idade e pela violência sofrida. Do outro, um grupo comandado por vereadores e deputados da linha conservadora da política, muitos deles ligados à religião evangélica. - JÔNATAS CAMPOS/ESPECIAL PARA O JC

Participaram das manifestações a deputada estadual Clarissa de Tércio (PSC), o vereador Renato Antunes (PSC), o deputado estadual Joel da Harpa (PP), o deputado estadual Cleiton Collins e a vereadora Michelle Collins, ambos do PP, e a deputada Terezinha Nunes (MDB). Depois, em defesa do procedimento da garota, chegaram Carol Virgolino, codeputada do Juntas, acompanhada de representantes de entidades de defesa da mulher.

Houve confusão, bate-boca e gritaria. O médico Olímpio Barbosa, quem fez o procedimento, foi chamado diversas vezes de "assassino" pelos grupos fundamentalistas, fazendo com que a manifestação ganhasse repercussão nacional, chocando o país. Mesmo assim, o aborto foi realizado, e a criança retornou ao seu Estado de origem, com a promessa de acompanhamento psicológico.

Entenda o caso mais recente

A criança envolvida no caso divulgado nessa segunda-feira foi vítima do estupro no começo do ano, quando tinha 10 anos, e descobriu estar nas 22 semanas de gestação ao ser atendida no Hospital Universitário de Florianópolis. Lá, no dia 4 de maio, ela teve o direito negado, ainda que um laudo médico também revelado pelos sites apontasse que ela corria risco de vida caso continuasse a gerar o feto, diante da "imaturidade biológica" de seu corpo.

Então, o caso foi parar na Justiça, onde a intenção da 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Tijucas, segundo o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) foi entrar com uma "ação pleiteando autorização judicial para interrupção de gravidez assistida, segundo critérios definidos pela equipe médica responsável".

No entanto, a criança sofreu novamente com a negação aos seus direitos. Responsável pelo caso, a juíza Joana Ribeiro decidiu encaminhar a menina a um abrigo e refutou a possibilidade de um aborto após 22 semanas de gestação. Ainda, a juíza, de acordo com o detalhamento da decisão revelada pelo The Intercept, induziu a criança a manter a gravidez, questionando-a se não dava para "suportar mais um pouco".

Ao G1, nesta terça-feira (21), a advogada da família, Daniela Félix, informou que a Justiça de Santa Catarina permitiu que a vítima voltasse a morar com a mãe - que, em juízo, disse que teria feito o procedimento se não houvesse o impedimento dela estar num abrigo.

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