Conexão Saúde: nunca se levou a saúde mental tão a sério

Nunca se falou tanto nas questões relacionadas à saúde mental como nos últimos tempos. Pandemia, crises políticas, econômicas e sociais têm afetado diretamente a vida das pessoas, gerando transtornos psicológicos como depressão, ansiedade, insônia e a Síndrome de Burnout. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos mostrou que 53% dos brasileiros sentiu o bem-estar mental piorar um pouco ou muito de 2020 para 2021, um índice superior ao índice de 30 países.

De acordo com estudos realizados pela Universidade de São Paulo (USP), em uma lista de 11 países, o Brasil lidera com mais casos de ansiedade (63%) e depressão (59%). Irlanda e Estados Unidos ocupam o segundo e terceiro lugar, respectivamente. Os dados reforçam o mal-estar social que estamos vivendo. “O isolamento decorrente da pandemia, a precarização do trabalho, as jornadas exaustivas, não ter tempo para lazer ou para ficar com a família e o sentimento de culpa por não estar produzindo; tudo isso tem afetado demais as pessoas”, explica a psiquiatra Amélia Moura.

Por outro lado, o debate sobre saúde mental tem desmistificado questões e ajudado a disseminar informações verdadeiras, quebrando tabus sobre o atendimento psicológico e psiquiátrico. “Com o tratamento adequado e a medicação correta, uma pessoa que tem algum tipo de transtorno pode levar uma vida saudável e normal”, ressalta a médica.

O psiquiatra e doutor em neuropsiquiatria, Amaury Cantilino, complementa: “Eu percebo que hoje há mais diagnósticos também porque as pessoas estão mais atentas a informações sobre os transtornos mentais. No passado, se aceitava mais as limitações impostas pelas doenças. Com os avanços da medicina e o devido conhecimento, ninguém mais quer viver uma vida com seus potenciais sub-aproveitados. Assim, procuram mais ajuda e se beneficiam de tratamentos disponíveis”, elucida.

Rebeca Cavalcanti, 27, que trabalha com atendimento ao cliente, foi diagnosticada com transtorno misto (depressão e transtorno de ansiedade generalizada) em 2014. “Sintomas de síndrome do pânico e o medo de morrer me levaram a procurar um cardiologista, porque eu sentia como se eu estivesse enfartando”, relembra. Desde então, ela busca maneiras de se descobrir e entender seus processos internos.

“São oito anos convivendo e pensando sobre isso. As minhas maiores mudanças sempre vieram depois de grandes crises, porque era nesse momento que eu sentia que algo não estava indo bem. As crises acabavam me puxando de volta pra mim. É um aprendizado e uma descoberta constantes. Faço acompanhamento psicológico e psiquiátrico periodicamente, uso medicamentos da forma correta, fiz reeducação alimentar, mudei minha relação com a prática de atividades físicas e estou sempre começando algo novo, como aula de dança e teatro. São hábitos que fui implementando e adaptando na minha rotina com o passar do tempo e hoje me permitem me dedicar a outras atividades com qualidade. Ressignifiquei a minha relação comigo mesma”, relata Rebeca.

Para o psicólogo cognitivo do Hospital Psiquiátrico Novo Renascer, Marcondes Pereira, o autoconhecimento é um dos fatores essenciais para atravessar as adversidades com resiliência. “Precisamos saber o que nos faz bem para promover a nossa saúde. Se isolar, não praticar atividades físicas, absorver notícias negativas pelo celular ou televisão não é benéfico para a mente. Ter relações sociais, um trabalho significativo e uma prática espiritual, independente de religião, são atividades que contribuem para o bem estar-mental”, diz ele.

Com relação ao apoio psiquiátrico, ele é essencial para definir o diagnóstico e, a partir disso, estabelecer um plano de tratamento, que pode envolver o uso de medicamentos e a indicação de tratamentos psicológicos, terapia ocupacional, meditação, entre outras práticas. “Vale ressaltar que, uma vez sendo uma especialidade médica, a psiquiatria contemporânea é muito influenciada pela chamada ‘medicina baseada em evidências’. Ou seja, os procedimentos, sejam eles diagnósticos, terapêuticos ou de prognóstico, são, na medida do possível, baseados em achados de pesquisas clínicas”, finaliza o doutor em neuropsiquiatria.

Impactos sentidos da primeira infância à terceira idade

Na sociedade atual, marcada pelo uso excessivo de eletrônicos e da internet, não é possível falar em saúde mental sem abordar o uso de equipamentos e redes sociais. Cada dia mais integrados à rotina, celulares e tablets já são praticamente uma extensão do nosso corpo. Toda essa exposição às telas, cada vez mais cedo, deixa sequelas a longo prazo e prejudica a saúde mental de homens e mulheres nas variadas fases da vida. É o que explica o neurocirurgião funcional e presidente da Sociedade Brasileira de Radiocirurgia, João Gabriel Ribeiro.

“Com o celular na mão, temos uma mudança rápida de informações, que altera nossas ondas cerebrais e aumenta o risco de ansiedade. Mudança de foco não é bom para o cérebro, que se acostuma a ter múltiplo estímulos e não consegue fixar a atenção, gerando dificuldade de leitura, dificuldade de concentração”.

Ele destaca o impacto do uso indiscriminado para a saúde mental das crianças. “As crianças são expostas às telas cada vez mais novas e isso tem influenciado no aumento do índice de transtorno de déficit de atenção com hiperatividade, o TDAH, em meninos e meninas. Nos jogos e aplicativos, elas têm uma possibilidade infinita de escolhas a um clique e isso faz com elas não vivenciem a frustração. E a frustração é muito importante, porque uma pessoa que não se frustra, não recebe nãos, se torna impaciente e intolerante, tem dificuldade de terminar o que começa e quer tudo pra ontem”, exemplifica o médico.

Já na terceira idade, os maiores fatores de risco para o desenvolvimento de doenças psiquiátricas são a solidão, a obesidade e a falta de uma boa noite de sono. “Estudos mostram que o risco de desenvolver Alzheimer duplica a cada cinco anos a partir dos 65 anos de idade. Dos 60 aos 65, o risco é de 1%. Já de 90 a 95, esse número passa a ser 40% de chance”, alerta o especialista.