Espaço Ciência mobiliza protesto para pedir pela anulação de lei que doou parte do terreno do museu
O protesto foi divulgado horas após a gestão estadual informar que manterá a decisão que doará 8.200 m² do museu para instalação de um centro tecnológico
O Espaço Ciência anunciou que fará uma mobilização no próximo domingo, a partir das 13h, para pedir pela anulação da lei do Governo de Pernambuco que doou cerca de 8.200 m² do museu para instalação de um centro tecnológico. O protesto foi divulgado horas após a gestão estadual informar que manterá a decisão.
O local foi doado para a Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (ADEPE) para que uma empresa privada possa instalar um data center - centro de processamento de sistemas computacionais de uma empresa ou organização - e um “landing station” para receber cabos submarinos.
A proposta já havia sido informada à imprensa, mas não agradou a direção do museu, que explicou que afetaria a didática cronológica, já que cada espaço foi pensado para um melhor aprendizado.
Por nota, o Espaço Ciência afirmou que "não se opõe à instalação dos cabos submarinos no local", mas "à construção do Data Center e doação de todo o terreno".
Como compensação, o governo informou que doará 10 mil m² do lado pertencente a Olinda do Memorial Arcoverde, onde o museu está instalado, para realocação dos equipamentos presentes na área afetada.
Entretanto, para a direção do equipamento, "não se trata apenas da perda ou troca de um pedaço de terra. Trata-se de uma intervenção num projeto museológico, que tem base em contribuições de Burle Marx e de especialistas em museologia científica. É um projeto estudado e analisado, com participação de consultores nacionais e internacionais. Um espaço no qual se investiu durante 28 anos."
Em entrevista ao JC, o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação de Pernambuco, Fernando Jucá, garantiu que o governador entendeu a necessidade de acomodar todas as partes e equipamentos do Espaço Ciência. "Não haverá a perda de um metro quadrado sequer", afirmou.
Jucá afirmou que a área inscrita no museu é a única possível em Pernambuco para implementação dessas tecnologias. “A única brecha que temos entre os arrecifes naturais e o Cais artificial é aquela área, caindo no Espaço Ciência. Ou chega por ali, ou não vai existir cabo submarino em Pernambuco".
O secretário chamou atenção para a importância dos cabos, e que, caso não haja acordo com o museu, o recebimento deles será cancelado.
"Se ninguém quiser cooperar com esse grande avanço, que é prover Pernambuco com a autonomia de ligação internacional, aumentar a velocidade da internet para 72 terabytes por segundo, cancelamos a chegada do cabo e ficamos na mão do Ceará e de São Paulo, pagando mais caro”, disse.
Em fevereiro deste ano, o Governo do Estado publicou uma notícia informando sobre a instalação de um Data Center no Espaço Ciência, e que seria fundamental para "promover a conexão de Pernambuco ao cabo submarino SeaBras-1, garantindo ao Estado internet global de alta, baixa latência e menor custo de contratação", com expectativa de faturamento de R$ 320 milhões ao ano.
O diretor do museu esteve presente durante a visita de técnicos e afirmou ter concordado com a instalação, já que agregaria valor à própria exposição, mas que não sabia ou aceitou que parte do equipamento fosse desmembrado. Nesta semana, entretanto, recebeu um e-mail para retirada com urgência dos objetos presentes nos 8 mil m² doados.
Jucá, todavia, esclareceu que a intimação foi enviada de forma indevida pela empresa que deve instalar o "data center", e que sequer há um projeto finalizado. "A Adepe pediu para a empresa se retratar, porque houve uma interferência indevida", disse Jucá.
Ainda, garantiu que nenhum equipamento será retirado das dependências atuais do museu até que o projeto seja aprovado. "Não vai ser retirado nada até que tudo fique claro. Estamos tomando as providências para organizar tudo", afirmou o secretário.
Na manhã de segunda-feira (21), diversas entidades se reuniram na Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pernambuco (ADUFEPE) para organizar manifestações contra a medida. “Tivemos a orientação de fazer um documento de apoio ao Espaço Ciência pedindo pela revogação da lei. Já os estudantes vão mobilizar a causa nas redes sociais”, afirmou Pavão.
Participaram da conversa, além da ADUFEPE, a Associação Amigos do Espaço Ciência, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Pernambucana de Ciência, a União Nacional dos Estudantes (UNE), a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), entre outras.
O Espaço Ciência é um dos dois únicos museus científicos ao ar livre no mundo e recebe cerca de 100 mil visitantes ao ano. Ele é dividido em cinco áreas: água, movimento, percepção, terra e espaço - sendo a área chamada “espaço” a atingida pela medida. Nela, são desenvolvidas várias atividades de divulgação científica como confecção e lançamento de foguetes, oficinas, observação do Sol.
Nessa parte, ainda há equipamentos como o Avião Xavante, maquete do VLS-Veículo Lançador de Satélite, Giroscópio Humano, para atividades de Arvorismo, minifoguete, busto de Santos Dumont, edifício de Apoio, ponte sobre o Canal, pista de aviação, dentre outros.
Patrimônio de Burle Marx é atingido
A falta de informações sobre as mudanças no Espaço Ciência, localizado no Memorial Arcoverde, entre o Recife e Olinda, ainda preocupa arquitetos e urbanistas envolvidos com o projeto original. Ele é, hoje, uma das poucas partes preservadas do projeto idealizado pelos renomados paisagista Burle Marx e arquiteto Acácio Gil Borsoi em 1986 - e que nunca foi finalizado pelo Governo de Pernambuco.
Co-autor do projeto, o arquiteto e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Luiz Vieira, afirmou que ele está inscrito em uma área de proteção do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que não permite a construção de imóveis na área verde. “É um patrimônio da humanidade, paisagístico, arquitetônico e urbanístico.”
Junto a Vieira, o também arquiteto Antônio Borsoi adaptou o projeto do pai e o transformou no Espaço Ciência. Ele conta que o Iphan deu uma autorização para a construção de pequenas edificações em caráter excepcional, pela “causa nobre” delas.
“Fizemos um conjunto que lembra uma grande coberta para desenvolver atividades de ensino e de reflexões, simples e vazadas. Qualquer ameaça de outras construções nessa área vai desfigurar o espaço”, disse.
Especialista em paisagem, a arquiteta e também professora da UFPE Ana Rita Sá Carneiro explica que o vazio ali existente é necessário para “conectar e ao mesmo tempo separar as duas cidades”. “Não sabemos que escala haverá, mas sempre houve a necessidade de não haver edificações. Deveríamos preservar ao máximo aquele espaço”.
Em 2020, a Empresa de Turismo de Pernambuco (Empetur) garantiu, em reportagem do JC, que um plano de requalificação do Memorial Arcoverde estava em andamento. Atualmente, todavia, o espaço permanece degradado e subtulizado, sem qualquer mudança aparente.