URBANISMO

Governo de Pernambuco doa parte do museu Espaço Ciência para instalação de centro tecnológico

Decisão afetará a área chamada de "espaço", onde há atividades de divulgação científica como confecção e lançamento de foguetes, oficinas e outros equipamentos. Governo garante compensação

Katarina Moraes
Cadastrado por
Katarina Moraes
Publicado em 19/11/2022 às 12:48 | Atualizado em 19/11/2022 às 13:28
CLEMILSON CAMPOS/ACERVO JC IMAGEM
O Espaço Ciência é um dos dois únicos museus científicos ao ar livre no mundo e recebe cerca de 100 mil visitantes ao ano - FOTO: CLEMILSON CAMPOS/ACERVO JC IMAGEM
Leitura:

O governo de Pernambuco doou 8.000m² do Espaço Ciência à Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (ADEPE) para a instalação de um centro tecnológico na área. No local, tombado nacionalmente, funciona um dos principais museus do Estado, criado a partir de projeto do paisagista Roberto Burle Marx.

A doação foi firmada por meio da lei de nº 17.940, sancionada em outubro deste ano. Ela afirma que o Estado cederá um imóvel integrante do patrimônio do Estado situado na Avenida Cruz Cabugá, no Bairro de Santo Amaro, no Recife, à agência de economia mista - sem especificar que faz parte do museu.

A lei ainda informa que o terreno será utilizado para viabilização da instalação de um data center - centro de processamento de sistemas computacionais de uma empresa ou organização - e a construção de um “landing station” para receber cabos submarinos.

Nessa sexta-feira, (18), o museu publicou nota pedindo pela revogação da decisão. O diretor do Espaço Ciência, Antonio Carlos Pavão, afirmou ter concordado com a utilização de parte do terreno para a saída dos cabos, que seria incorporado à dinâmica educacional sem prejuízo ao museu, mas que nunca soube da intenção de construir um "data center".

Nesta semana, no entanto, Pavão recebeu uma intimação para que fossem retirados “com urgência” os aparatos que compõem a zona do museu onde ele será instalado. “Foi uma surpresa e uma agressão. É uma incompreensão sobre esse equipamento científico e cultural, que tem sido de muita utilidade para o estado”, afirmou.

O Espaço Ciência é um dos dois únicos museus científicos ao ar livre no mundo e recebe cerca de 100 mil visitantes ao ano. Ele é dividido em cinco áreas: água, movimento, percepção, terra e espaço - sendo a área chamada “espaço” a atingida pela medida. Nela, são desenvolvidas várias atividades de divulgação científica como confecção e lançamento de foguetes, oficinas, observação do Sol.

Nessa parte, ainda há equipamentos como o Avião Xavante, maquete do VLS-Veículo Lançador de Satélite, Giroscópio Humano, para atividades de Arvorismo, minifoguete, busto de Santos Dumont, edifício de Apoio, ponte sobre o Canal, pista de aviação, dentre outros.

Para Pavão, a retirada desses dispositivos é uma “mutilação” ao museu. "Diante de tantas alternativas de locais desocupados e abandonados, inclusive no próprio Memorial Arcoverde e a Fábrica Tacaruna, que é perto, vem justamente nos atingir?", questionou.

A Academia Pernambucana de Ciências (APC) publicou uma nota considerando a doação como “inaceitável”. “O Espaço Ciência tem um papel extremamente relevante na educação cientifica, na difusão e popularização da ciência, sendo objeto de cooperações com escolas públicas de Pernambuco e espaço de formação cidadã dos estudantes desde o ensino básico ao ensino superior”, pontuou.

Por telefone, ao JC, o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação de Pernambuco, Fernando Jucá, respondeu que os cabos que serão instalados garantirão uma melhor internet para o Estado, atendendo à demanda dos setores públicos e privados. Ainda, garantiu que haverá uma compensação do espaço perdido do museu.

“A Empetur cedeu a área colada ao Espaço Ciência para que não houvesse nenhum tipo de prejuízo e se prontificou a cobrir todos os gastos necessários”, informou.

Por nota, a Secti-PE afirmou que "todos os equipamentos e mobiliários existentes na área desmobilizada serão transportados e remontados na nova localização, sem qualquer prejuízo às atividades". Entretanto, não respondeu os questionamentos do JC sobre a instalação de um data center no local. (Veja nota completa no final da matéria)

Patrimônio de Burle Marx é atingido

A falta de informações sobre as mudanças no Espaço Ciência, localizado no Memorial Arcoverde, entre o Recife e Olinda, ainda preocupa arquitetos e urbanistas envolvidos com o projeto original. Ele é, hoje, uma das poucas partes preservadas do projeto idealizado pelos renomados paisagista Burle Marx e arquiteto Acácio Gil Borsoi em 1986 - e que nunca foi finalizado pelo Governo de Pernambuco.

Co-autor do projeto, o arquiteto e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Luiz Vieira, afirmou que ele está inscrito em uma área de proteção do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que não permite a construção de imóveis na área verde. “É um patrimônio da humanidade, paisagístico, arquitetônico e urbanístico.”

Junto a Vieira, o também arquiteto Antônio Borsoi adaptou o projeto do pai e o transformou no Espaço Ciência. Ele conta que o Iphan deu uma autorização para a construção de pequenas edificações em caráter excepcional, pela “causa nobre” delas.

“Fizemos um conjunto que lembra uma grande coberta para desenvolver atividades de ensino e de reflexões, simples e vazadas. Qualquer ameaça de outras construções nessa área vai desfigurar o espaço”, disse.

Especialista em paisagem, a arquiteta e também professora da UFPE Ana Rita Sá Carneiro explica que o vazio ali existente é necessário para “conectar e ao mesmo tempo separar as duas cidades”. “Não sabemos que escala haverá, mas sempre houve a necessidade de não haver edificações. Deveríamos preservar ao máximo aquele espaço”.

Em 2020, a Empresa de Turismo de Pernambuco (Empetur) garantiu, em reportagem do JC, que um plano de requalificação do Memorial Arcoverde estava em andamento. Atualmente, todavia, o espaço permanece degradado e subtulizado, sem qualquer mudança aparente.

O que diz a Secti-PE 

"A Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti-PE) esclarece que o Espaço Ciência não vai sofrer qualquer perda em seu patrimônio. Os 8 mil metros quadrados suprimidos da parte norte do terreno - que possui 120 mil metros quadrados no total -, serão substituídos igualmente por 8 mil metros quadrados no lado sul da instituição, em área contígua pertencente à Empetur. Todos os equipamentos e mobiliários existentes na área desmobilizada serão transportados e remontados na nova localização, sem qualquer prejuízo às atividades.

A cessão do terreno foi feita para a Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco – ADEPE, através de negociação com o Governo do Estado, para a chegada de um cabo submarino de fibra ótica com capacidade de transmissão de dados da ordem de terabytes. Este cabo vai aumentar a velocidade da internet em todo o estado de Pernambuco, incrementando a competitividade do setor produtivo, além de atender às demandas da sociedade. Qualquer construção necessária para abrigar os equipamentos referentes à operação do cabo submarino obedecerá a legislação vigente."

Comentários

Últimas notícias