Recentro: um ano após lançamento, programa trouxe poucas mudanças e projetos para o Centro do Recife

Há um ano, era lançado o Gabinete do Centro do Recife, o Recentro, com o objetivo de devolver vida a três bairros históricos da capital pernambucana. Desde então, a Prefeitura do Recife focou em estudos, em escuta social e ações pontuais, mas poucas mudanças foram vistas na região na prática. Sobretudo, sem um projeto estruturador entregue, há ainda menos perspectivas sobre o que deve acontecer na região pela frente.

Todavia, diferentes atores ouvidos pela reportagem demonstraram certa frustração, ao alegarem que, a esta altura, esperavam que o gabinete tivesse apresentado maiores mudanças ou planos de ação; e que, salvo exceções, andar pelo Centro hoje não difere do que é andar pelo Centro há um ano. A sujeira, insegurança e a falta de movimento ao cair da noite ainda são uma realidade.

A região vem em um ascendente processo de decadência há pelo menos 40 anos, quando a população recifense e os principais serviços e comércios migraram para as periferias da cidade. Com a pandemia da covid-19, o esvaziamento se acentuou, e a demanda por uma maior e mais integrada atenção da gestão municipal sobre o território central cresceu.

Então, o gabinete foi lançado em novembro de 2021 como um articulador entre as diferentes secretarias do município, promovendo ações que seriam tomadas a curto, médio e a longo prazo apenas nos bairros de Recife, São José e Santo Antônio. Ou seja, foi prometido que, ao mesmo tempo que a limpeza na área seria reforçada, por exemplo, seriam feitos estudos e pesquisas elaborados para retomar a dinâmica - ou criar uma nova - ao Centro.

Enquanto isso, têm sido feitas dezenas de escutas sociais e reuniões com especialistas de diferentes áreas, frequentadores e empresas ligadas à região, para elaborar estudos e projetos desde a instituição do gabinete - o que tem sido fundamental, levando em conta que reverter o processo de abandono não é tarefa fácil, nem rápida, e precisa ser feito de forma integrada com a sociedade.

O Recentro implementou ações pontuais de requalificação e de "ativação", que propõem trazer os cidadãos de volta à área histórica, como o "Viva a Guararapes", evento gratuito e mensal que toma conta da Avenida Guararapes, no bairro de Santo Antônio. Mas gestões anteriores já provaram que essas iniciativas, apesar de plausíveis, não são suficientes para, de fato, retomar uma vida urbana diversificada no espaço - com habitação, comércio e serviços que o movimentem a todo o tempo.

Um exemplo foi o Recife Antigo de Coração, tocado também por Ana Paula Vilaça, atual chefe do Recentro, quando secretária de Turismo e Lazer na gestão Geraldo Julio (PSB). O programa foi eficaz em trazer a cidade de volta ao Bairro do Recife aos domingos, mas, até hoje, a ilha permanece pouco habitada, sendo sinônimo de turismo e trabalho - no caso do Porto Digital e outros escritórios ali presentes.

Para promover habitação, uma das ações estruturais do Recentro foi a instituição de isenções fiscais sobre o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto Sobre Serviços (ISS) e o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Intervivos (ITBI) para projetos de construção e recuperação de imóveis - uma medida que nem o setor imobiliário, nem pesquisadores ligados ao patrimônio, consideram suficiente para reocupar as dezenas de prédios abandonados ou construir novos.

• Recentro: com incentivos para construção e reabilitação de imóveis, o que podemos esperar para o Centro do Recife em alguns anos?

O assessor urbanístico da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Pernambuco (Ademi-PE), Sandro Guedes, defende uma flexibilização da área passível a construção na área central, desburocratização para aprovação de novos empreendimentos e na aprovação para reformas de imóveis protegidos - a partir da aplicação de sanções em caso de descaracterização.

“Defendemos que o retrofit (modernizar uma edificação antiga, mantendo suas características) no centro não seria o motor de uma renovação, mas novas construções. Nem tudo que é velho é valioso. Órgãos de controle precisam se entender sobre o que é necessário preservar. Se isso não for feito agora, em grande escala, não veremos mudanças por um bom tempo”.

A arquiteta e urbanista Maria Luiza Freitas, do Laboratório de Urbanismo e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), considera necessário revitalizar as edificações já existentes - como o Edifício Sertã, que adaptou os antigos e desocupados escritórios para transformá-los em apartamentos modernos, mantendo a estrutura do prédio.

“Sabemos que há vários empreendimentos em construção que escondem os bairros históricos e as principais referências da cidade, com obras que negam e desvalorizam essa história. Por que não revitalizar imóveis antigos para abrigar novos moradores?”, pontou. Ainda, pede ampliação de opções de transporte público para chegar até a Ilha de Antônio Vaz.

Ela propõe maior clareza sobre os próximos passos do Recentro, ao afirmar que não consegue entender ainda “qual é o objetivo” dele. “Discutimos se não é mais um promotor de atrações no Centro, que de promoção de políticas que possam trazer melhorias para ele, porque me parece uma atuação muito mais próxima com o turismo e com o marketing”, pontuou.

Próximos passos

A arquiteta e urbanista Clarissa Duarte, pesquisadora da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) disse que, "considerando que o Recentro tem apenas um ano de vida e que sua equipe tem buscado realizar um trabalho inclusivo e engajado", acredita que o Programa "entrará agora em outra fase de maturação com outra amplitude de participação social e metodologia de planejamento estratégico."

“Observo o desejo de se realizar um Plano Especifico para todo o Centro expandido, baseando-se em estudos anteriores e nos diversos planos recentemente realizados para a cidade, como o Plano Centro Cidadão, o Parque Capibaribe, o Plano Recife 500 anos e, claro, o Plano Diretor da cidade do Recife.”, disse.

Atualmente, estão em “avançadas tratativas e desenvolvimento”, segundo a Prefeitura, projetos de Locação Social de 450 unidades habitacionais para famílias de até três salários mínimos, por meio de uma Parceria Público Privada (PPP).

A diretora da Habitat para a Humanidade Brasil, Socorro Leite, salientou que é preciso uma “política mais ampla de habitação” não só na região, mas na cidade. “O receio é que não haja uma continuidade dos estudos. Recife tem um déficit habitacional muito grande e 450 unidades é muito pouco. Ainda, três salários mínimos é renda de classe média na cidade - temos que dar prioridade a quem mais precisa”.

Também é aguardado um plano de reestruturação da Avenida Dantas Barreto - que liga São José a Santo Antônio - após ter sido feito um relatório de escuta social. A via de cerca de 1,6 quilômetro acumula problemas de mobilidade, infraestrutura e zeladoria, e sua construção foi tida como uma das razões do início do abandono do Centro.

O que já foi entregue ou iniciado

• Foi entregue ainda em dezembro de 2021 a 1ª etapa da revitalização da Praça do Sebo. Até hoje, não há perspectivas de quando a 2ª etapa será colocada em prática.
• Começaram em novembro as obras de drenagem e requalificação na Rua Imperial e na Avenida Sul; duas vias que sofrem, há décadas, com o acúmulo de água. O investimento foi de R$ 14,1 milhões.
• Foram iniciadas em outubro a execução de passeios, implantação de tubulações e requalificação do pavimento da Rua da Concórdia, com investimento de em torno de R$ 4,3 milhões.
• Foi feita uma parceria com o 16º Batalhão da Polícia Militar de Pernambuco para reforçar a segurança da região.
• Desde abril, o Viva a Guararapes movimenta a Avenida Guararapes uma vez por mês, com uma série de atrativos culturais, esportivos e gastronômicos públicos na via.

Estudos em progresso

• Estão em “avançadas tratativas e desenvolvimento” os Projetos de Locação Social uma Parceria Público Privada (PPP) para locação social de 450 unidades habitacionais para famílias de até três salários mínimos no Centro, por meio do Programa Bom de Morar, sancionado em julho deste ano.
• Estão em “fase final de ajustes” as fichas de parâmetros urbanísticos, seja através de elaboração de estudos técnicos e das fichas em si, 
• Prometido para ser iniciado ainda neste ano, o início da execução do projeto que previa o embutimento da fiação elétrica, iluminação cênica, pedestrianização de vias, dentre outras melhorias para o bairro do Recife, ficará para 2023.
• Está em execução um projeto de reestruturação da Avenida Dantas Barreto. Não foi informada uma data de finalização.
  

O que diz a Prefeitura do Recife

O JC tentou entrevista com a chefe de gabinete do Recentro, Ana Paula Vilaça, mas a Prefeitura do Recife alegou indisponibilidade na agenda. Então, respondeu por nota aos questionamentos da reportagem. Confira:

"A Prefeitura do Recife esclarece que os projetos desenvolvidos para a área que engloba o Gabinete do Centro do Recife (Recentro), território que contempla os bairros do Recife, Santo Antônio e São José, visam pensar soluções de forma integrada para a região, cuja potencialidade turística, imobiliária, comerciária e cultural são importantes ativos para a cidade do Recife.

Desde a criação do Recentro, a região já ganhou um importante e robusto pacote de incentivos fiscais para atrair investimentos privados que promovam a revitalização das zonas de patrimônio histórico e estimulem a chegada de novas moradias e negócios que promovam o desenvolvimento local.
Os benefícios contemplam isenção parcial e total de tributos como o Imposto sobre Serviço (ISS), o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), de acordo com o perfil de investimento a ser realizado ou da atividade a ser exercida.

Na prática, os incentivos são concedidos na promoção de atividades econômicas, principalmente culturais, educacionais e de serviços que movimentem o potencial turístico da região; na ampliação de moradia popular e de interesse social, como a construção de habitacionais; além da construção, recuperação e conservação de imóveis de patrimônio histórico.

Também se encontram em avançadas tratativas e desenvolvimento iniciativas como os Projetos de Locação Social e as fichas de parâmetros urbanísticos, seja através de elaboração de estudos técnicos e das fichas em si, que estão em fase final de ajustes. Para reacender a chama cultural do coração da cidade, a região da Avenida Guararapes tem sido palco de edições mensais do Viva Guararapes, cuja programação gratuita oferta atrações e polos temáticos com opções de lazer e bem-estar e que terão continuidade em 2023.

Sobre o projeto de modernização do bairro do Recife, que prevê o embutimento da fiação elétrica, iluminação cênica, pedestrianização de vias, dentre outras melhorias, a gestão municipal explica que a iniciativa é um projeto coordenado pela concessionária Neoenergia. Em consonância com o parceiro privado, a Prefeitura tem atuado para facilitar os licenciamentos junto aos órgãos municipais, estaduais e federais, tendo em vista que a localidade abriga diversos patrimônios históricos-culturais. A perspectiva é que a empresa inicie as obras em 2023."